segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

O circo romano

É natural gostar de festas. Em geral, trazem alegria e renovação. Dissipam tensões e promovem a fraternidade entre as pessoas. Quando o hábito se transforma em vício, ou como única alternativa para que se alcance a felicidade, torna-se perigosa fuga da realidade. Cabe o discernimento aos que promovem, visto que também se comprometem com o modo estimulador das fragilidades humanas. Transformar a cidade de Salvador em constante palco de festas consideradas populares, sob o pretexto de incentivar o turismo é esquecer que existem necessidades básicas a serem satisfeitas antes de intoxicar o povo do entorpecimento fugaz. A cidade vive problemas sérios, sobretudo nas áreas da educação infantil e da saúde pública, esquecidas pelo poder público. É hora de pensarmos seriamente sobre o futuro, sem brincarmos de governar.
Assim agiam os imperadores romanos, que ofereciam ao povo o divertimento nas arenas para distrair o cidadão de seus graves problemas, enquanto eles e seus apaniguados se locupletavam. Do mesmo modo agiam os nobres franceses, enquanto o povo morria de fome eles se banqueteavam largamente. O carnaval de Salvador tem sua tradição, porém se transformou em sua festa máxima, sem limites, invadindo os dias úteis, reduzindo a normal produtividade da cidade. Para alguns foliões e outros que gostam de feriados, é um bom período para diversão e para descanso, mas para a maioria torna-se um transtorno de sua mobilidade e de sua vida normal.
Transformar Salvador em vitrine para dissipações momentâneas pode comprometer seu desenvolvimento. As escolas não funcionam, a segurança pública é exclusiva para os locais da festa, o comércio é restrito ao consumível pelo folião e quem mora naqueles locais tem sua vida interrompida. Ninguém consegue marcar consultas para cuidar da saúde naquele período, pois tudo funciona em torno do carnaval. Parece haver um grupo que lucra muito com o carnaval e certamente tem seus argumentos favoráveis quanto a indústria do turismo e aos recursos que trazem para os cofres da Prefeitura, porém defendem seus próprios interesses.
O cidadão sensato, que prefere a tranquilidade de sua cidade, foge dela, entregando-a aos excessos de quem aqui não vive e não tem compromisso com a cidade, deixando-a depredada, cuja limpeza e retorno ao natural custa caro aos cofres públicos, que de fato pertencem ao cidadão. Governar Salvador é uma delegação outorgada democraticamente, mas não é um cheque em branco. Parece que alguém quer ser o dono da cidade, pois se comporta como se não existissem graves problemas a serem resolvidos. Quem sofre é o povo, que, no período das festas, tenta ganhar alguma migalha na economia informal.  Particularmente, considero uma festa bonita e de legítima manifestação dos anseios e das repressões do ser humano, porém há que analisar os excessos estimulados pelo poder público.

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