segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Tipos Baianos

Salvador é uma cidade de muitos tipos. Aqui são permitidas todas as diversidades. O comportamento é quase ditado totalmente pela liberdade. Isto a torna convidativa ao viver plenamente, mesmo com alguns excessos visíveis a todos. Aqui há pessoas inteligentes. Tudo que fazem é bem feito. São bem sucedidas profissionalmente e costumam levar o nome da cidade para brilhar bem alto. São nossos exemplos de saber. Aqui também temos pessoas muito cultas. Conhecem literatura, arte e sabem opinar de forma clássica. São eruditas e têm gosto refinado. Estão onde o conhecimento se faz presente, sobretudo nas Universidades.
Também temos pessoas ricas. Têm um bom patrimônio conquistado pelo trabalho. São prósperas. Contribuem significativamente para a economia, geram empregos e desenvolvem os mais diversos setores da sociedade movimentando o dinheiro. Aqui também temos muitas pessoas interessantes e singulares. Possuem alguma expertise. São virtuosas e se destacam pela especialidade e dominância de algum oficio. Exaltam a terra onde nasceram creditando-lhe uma certa magia. Em Salvador também temos pessoas politicamente corretas. São muito educadas. Respeitam a diversidade, incluindo todos como iguais, sem distinção. Zelam pelo estabelecimento de uma sociedade justa, sem discriminação e igualitária.
Aqui temos pessoas bem informadas. Sabem das coisas e têm informações corretas. Em geral produzem conhecimento, circulando ideias. São úteis para a manutenção de um certo padrão social. Há igualmente muitas pessoas do bem. Querem o bem das pessoas. Agem com o coração limpo de mágoas. Dão o melhor de si. São caridosas. Atuam para o bem. Praticam regularmente a caridade. Gostam de doar, doando-se ao próximo. Há também pessoas muito espiritualizadas. Valorizam a espiritualidade, pois a mítica religiosa está na alma das pessoas. São afeitas à religião. Respeitam toda e qualquer manifestação religiosa.
Difícil encontrar uma pessoa com todas estas qualidades, mas também é raro encontrar alguém que não tenha pelo menos uma delas. São estas pessoas que fazem nossa sociedade. Caracterizá-la sem levar em conta a existência de todos estes tipos é diminuí-la.
Porém, certamente, estamos esquecendo de uma importante qualidade a ser adquirida por todos, cuja consequência é a efetiva melhoria de nossa sociedade. Essa qualidade é a habilidade de promover a construção efetiva de uma sociedade melhor. Significa dizer que quem a tem estaria permanentemente com foco na melhoria da sociedade onde conseguem o próprio sucesso e recebem os merecidos dividendos.
Enquadrando-se em um dos tipos, busque acrescentar a nova conquista evolutiva para que seja admitido na importante categoria acima: uma pessoa que age com reciprocidade para com o mundo onde dele retira e dá o seu melhor.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Além da Política

Inegáveis avanços políticos, com reflexos na vida cotidiana, foram promovidos pela Operação Lava Jato. Basta citar a ampla discussão sobre corrupção, mesmo que restrita à perpetrada por políticos. O assunto passou a dominar a maioria das conversas dos brasileiros. Alguns sem uma noção real da questão, considerando-a tão somente no âmbito da política partidária. A continuidade da Lava Jato significa ir adiante com a filosofia norteadora para além da política. Por detrás da Lava Jato está a licitude, a lisura, o respeito ao alheio, o esforço pessoal, o empreendedorismo, o mérito, a educação básica, a autodeterminação, tudo isto dirigido ao cidadão comum e não apenas ao detentor de cargo público.
Sem ser o culpado, mas tendo sua responsabilidade, o cidadão é o principal interessado para aquela continuidade, visto que implica resgate da própria dignidade, garantia da aplicação da justiça e do correto uso dos recursos públicos oriundos dos impostos pagos. Por onde começar? Não se trata de simples decisão de mudar, pois são hábitos antigos que facilitaram a existência da corrupção. Esta cultura vem desde o Império, aumentando com a instalação da República, pois criou-se a figura do indivíduo detentor do poder de decidir sobre o uso de dinheiro público. As regras criadas deixam enormes brechas para corromper, prevaricar e levar vantagens indevidas.
O que se vê no mundo político são conchavos, licitações às cegas, de transparência no uso de recursos públicos, nomeação pelo Executivo de pessoas que deveriam ser responsáveis pela fiscalização dos atos de quem as nomeiam e projetos de hegemonia partidária. O voto obrigatório, mesmo sendo um instrumento democrático, não tem sido suficiente para mudar o que pertence à natureza da sociedade e que se encontra intrínseco no modo de ser do cidadão. Há muito que mudar, mas também muito que preservar. É preciso mudar as instituições que emperram o desenvolvimento e outras que facilitam falcatruas. É preciso manter a força agregadora do povo e a ética das pessoas que desejam um país melhor.
É obvio que a mudança que queremos na sociedade deve começar na escola, sobretudo na educação infantil. É preciso formar novas gerações comprometidas com uma sociedade justa, igualitária e harmônica, sobretudo constituídas de pessoas que se orgulhem de seu próprio caráter. Pessoas que desejam o melhor para si, para o outro e para a sociedade.
Ir além da política, é também penetrar no ambiente doméstico, nos templos religiosos, nos veículos de comunicação e nos seguimentos onde constem formadores de opinião para a constituição de um pacto em que todos se sintam responsáveis pelo problema e, simultaneamente, pelas soluções. Ir além da política é fazer a necessária autocrítica para implicar-se em soluções de autocura e de melhoria pessoal.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Lutar

Ideologias a parte, o ser humano nasceu para lutar. Tem de ser um lutador, sob pena de sucumbir ante os desafios da vida. A ninguém é dado o direito de não lutar. Seria não viver. A luta é diária, constante e sacrificial. Todos devem sacrificar sua própria vitalidade para que sejam vencidos os propósitos do existir. Neste ponto todos se igualam, sem distinção de raça, credo ou classe social. O inimigo a ser vencido, antes projetado em feras imaginárias ou em animais, agora se apresenta sob outros contornos. Pouco adianta pensar que os inimigos são pessoas, governantes ou opositores de suas próprias ideias. Há ainda os que pensam em seres cristalizados em fazer o mal como sendo seu inimigo, atribuindo-lhes um caráter permanente, quase de um deus, de ter o poder de entrar em suas mentes frágeis.
São muitas batalhas de uma só guerra. A verdadeira guerra é a que trava em seu mundo interior pela vontade de vencer, pela necessidade de superar suas deficiências e pela libertação de seus medos arquetípicos. Mesmo que se projetem os inimigos como pessoas que se opõem ou que se colocam como usurpadores de seu direito, estes não são os reais oponentes do ser humano. O inimigo real mora na intimidade da própria mente, requerendo o bom combate. Indivíduos de todas as culturas, do menos capaz ao melhor, todos querem vencer seu inimigo real, a fim de se libertar do medo, da insegurança ou da possibilidade de fracasso.
Em algum momento de sua vida, o ser humano precisa descobrir que seu principal inimigo se encontra nele mesmo. Vai perceber que nem sempre conta com a competência que gostaria de ter. Luta contra o tempo que dimensiona a seu favor, mas não tem certeza se conseguirá nele obter o que deseja. Tem dúvidas sobre si mesmo, pois as variáveis são muitas e os fatores imponderáveis cercam suas possibilidades. Pensa que luta contra alguém, contra o sistema ou que seus opositores estão do lado de fora. No fundo sabe que seu maior inimigo é sua ignorância. Se não a eliminar, continuará equivocadamente culpando alguém. Pensa que luta contra seu patrão ou contra o governo. Evoca o mesmo sistema que critica para lhe proteger, sem perceber que deve construir em sua personalidade o herói que o libertará de sua ignorância quanto a si mesmo e ao viver.
Literalmente dorme e acorda com o inimigo e não se dá conta de sua constante presença. Para superar a simples verdade de que ele próprio é seu obstáculo, atribui a um bode expiatório a causa de seus males. Suas oportunidades são muitas e podem ser criadas quando quiser. Basta que se capacite, que não terceirize culpas e que integre reais habilidades úteis para ultrapassar os obstáculos quando aparecerem. Só quando vencer a si mesmo e aprender como melhor sacrificar a energia de viver que alcançará a verdadeira vitória. Neste momento, todos vencerão.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Humildade e pobreza

Humildade é o reconhecimento de si mesmo, em suas habilidades e fragilidades, com a consideração do valor do outro com quem estabelece relações. Quem é humilde não se coloca em posição de superioridade sobre outro ser humano, nem o utiliza para ascender socialmente. Pobreza é a carência de alimentação, de saúde e de recursos para o atendimento às necessidades básicas de educação, de moradia, vestuário e de informação. Pobreza é também sofrer qualquer tipo de discriminação, preconceito ou intolerância sem qualquer defesa pela própria sociedade.
Pobreza não é humildade, tampouco riqueza significa orgulho ou aquisição irregular de bens. Enquanto a primeira deve ser erradicada na Terra, a segunda, deve ser estimulada quando associada a ética, ao trabalho e à prosperidade de todos. A pobreza é sempre algo que representa a fragilidade de uma sociedade, portanto, é símbolo de falência ou ausência de políticas públicas que atendam ao significado de viver em grupo, garantindo tudo quanto todo ser humano tem direito.
Ainda há muitos pobres, poucos ricos e muitos que ainda não entenderam sua função no mundo, no que diz respeito ao desenvolvimento da sociedade. Quanto mais se dá esmolas para alívio das necessidades imediatas, mais se adia o progresso de uma sociedade. O pobre não quer esmolas ou migalhas, mas condições dignas para que saia da condição em que vive, alcançando, pelo trabalho, a riqueza e a sua dignidade. Dignidade é o inverso da opressão e da submissão ao fraco desempenho como revolta.
A maior riqueza que se possui é a disposição para viver, para trabalhar e para construir uma sociedade melhor, dando, em retorno a ela, sua cota de serviços e valores positivos. Uma sociedade não prospera quando poucos ganham e muitos vivem na miséria. Todos devem trabalhar para que todos prosperem. Sem o trabalho e o esforço pessoal a sociedade estará condenada a viver na pobreza, pela falência da vontade de que haja desenvolvimento.
A pobreza não é apenas um problema econômico, mas psicológico e real. Além do esforço governamental para erradicar os graves problemas da sociedade, cada cidadão deve, pelo trabalho, superar sua condição social, buscando sempre algo melhor. Aqueles que se encontram no grupo dos que já são prósperos devem oferecer sua experiência e seu exemplo para estimular os demais ao mesmo esforço e dedicação que os fizeram alcançar o status em que se encontram. Ser humilde sim; ser pobre não. Riqueza com humildade implica em retorno positivo para a sociedade para que todos aprendam a se tornarem pessoas prósperas.
Esperar pelos governos que proporcionem prosperidade é postergar o próprio desenvolvimento, permanecendo no clientelismo degradante. Sem o trabalho e o esforço pessoal, a sociedade permanecerá entregue às rapinas que sadicamente se locupletam.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Medo arquetípico

Há um medo latente na consciência humana que limita e oprime dificultando que se desenvolva e mude a realidade aversiva em que vive. Medo de sofrer, de ser castigado pelo Deus em que acredita e medo quanto ao próprio futuro, provocam atraso e paralisia em sua vida. Há um entendimento comum de que o medo surge por causa de um agente externo que provocaria dor ou sofrimento. No entanto, tudo decorre de uma cultura massificadora de que se trata de um ente deliberadamente designado para aquela finalidade agressiva.
Há elementos culturais que contribuem para que a mente humana seja cristalizada em dogmas e princípios caducados, cujo fundamento está na crença de que a ignorância é um atributo natural e congênito. Os talentos precoces denunciam que assim não é e que todo indivíduo apresenta um saber natural que vai muito além de seu meio. A promessa de que o ser humano tem direito a um paraíso, desde que obedeça a certas regras, é um desses princípios caducos, pois promove a ideia de um futuro imaginário, desprezando-se o próprio presente.
O ser humano precisa ter assegurado seus direitos e garantias individuais, necessita de segurança pública e de uma boa educação, e, sobretudo, que não lhe imponham qualquer doutrina alheia ao seu desejo de liberdade no pensar. Enquanto isto não ocorre, é obrigado a viver sob contingências opressoras oriundas de extremistas de bandeiras políticas diversas.
Mas, o principal medo, no fundo, é o de viver uma vida sem sentido ou com uma angústia lancinante que atormenta o indivíduo, dificultando sua crença em si mesmo e em sua capacidade de realizar seu próprio destino. Este medo é resultante da ideia retrógrada de que o cidadão deve contar com o governo, com o conforto religioso ou com alguém que magicamente vai lhe resolver os problemas.
Só a coragem de viver, que impulsiona para a criatividade e oferece energias para as realizações que dependem do esforço e do sacrifício exclusivamente pessoal poderá oferecer saídas mais efetivas contra o medo; só a consciência liberta de peias, de doutrinas alienantes, sejam políticas, religiosas ou filosóficas, consciente de que deve se tornar proprietário de si mesmo poderá eliminar seus medos; só a disposição permanente de viver e empreender uma vida saudável, produtiva, baseada no trabalho, poderá eliminar os medos humanos; só a autoconfiança, fundamentada na certeza de que a propriedade de si mesmo depende de uma educação formal e doméstica com dedicação e disciplina retirará o medo do fracasso pessoal.
O medo arquetípico é inconsciente, com reflexos na vida comum, exigindo que o ser humano busque sua autonomia, à revelia dos que pregam seu engajamento cego e absurdamente alienante em movimentos coletivos. É preciso que o ser humano realize seu voo, livre de dogmas e de doutrinas cegas.