segunda-feira, 11 de maio de 2020

O Sentido da Vida

Enganam-se os que pensam que o sentido da vida reside em viver naquilo que lhe dá prazer ou que lhe traz felicidade. Muitas vezes, esta busca provoca mais prejuízos do que ganhos. Certas metas existenciais, mesmo aquelas que dão prazer, conforto e prestígio social, resultam em equívoco dificilmente reparável. A pessoa bem sucedida nem sempre é aquela que acumulou bens e usufrui deles, causando inveja a quem não os possui.
Como ser feliz em um ambiente instável, nocivo ou onde reine a miséria social? Certamente há quem diz conseguir, porém o egoísmo e o orgulho ali estão presentes como permanentes companheiros. Encontrar o sentido da vida enquanto. A dor e o sofrimento campeiam na sociedade passa também pelo trabalho em erradicá-los.
Para encontrar o sentido e significado da vida há que alinhar certas condições pessoais internas com a vivência em uma sociedade saudável e próspera. Estas condições necessitam ser permanentes, sobretudo a do meio em que viva o indivíduo supostamente realizado. No que diz respeito às condiciones internas é preciso entender que se trata do encontro com a própria designação pessoal, portanto, após a descoberta da razão de sua existência como ser humano.
É preciso estar pleno, livre de culpas, de credores litigiosos que tenham reais direitos, de inabilidades e de passivos para com a sociedade. A consciência de uma pessoa realizada deve estar em harmonia consigo mesmo, com seus pares e com a sociedade na qual atua e vive suas experiências mais significativas. Se assim não for, a realização propalada será na aparência, pois no íntimo prevalece o desconforto, a angústia e a solidão interior.
Não é possível a realização pessoal sem a formação de uma personalidade saudável, comprometida com o bem comum com a prosperidade social. Aquele que alcançou esta condição descobriu o sentido da própria vida quando entende a si mesmo, compreende as razões últimas das coisas, sente cada experiência em sua essência e percebe seu semelhante em sua máxima dignidade. Sem isto estará atendendo a vaidade, ao egoísmo e ao desejo de supremacia sobre os outros. Viverá uma vida inautêntica.
O encontro do sentido da vida se deve à uma consciência renovada por ideias altruístas, pelo desejo permanente de ser uma pessoa melhor, pela responsabilidade e transparências em seus atos, pela preocupação pelo bem comum e pela perspectiva de uma vida futura sem medos ou fantasias fabricadas pelo imaginário popular. Como se realizar sem sentir a vida com coragem e vontade de viver? Como encontrar-se a si mesmo sem ter amado alguém? Como descobrir o significado da própria existência sem conseguir explicar suas origens e seu destino? As respostas são alcançadas quando já se integrou à própria personalidade a humildade, a compaixão e a legítima fraternidade. Portanto, para que se alcance o sentido da vida é preciso, além de espiritualizar-se, humanizar-se.

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Metas existenciais

Todo ser humano tem metas e desejos de realização, independentemente do tamanho dos horizontes em que baseia sua vida. Mesmo que seja considerado componente da humanidade, vive em diferentes situações que afetam a qualidade e o tamanho da vida que leva. Inevitável estudá-lo e classificá-lo de acordo com determinados parâmetros para que seus problemas sejam coletivamente resolvidos.
Torna-se evidente a existência de vários níveis socioeconômicos, cuja distribuição da renda global por pessoa não resultaria em êxito, em face da diversidade de habilidades, interesses e horizontes dos indivíduos das muitas sociedades humanas. Uma sociedade com sua específica cultura não conseguiria resolver o problema de outra pela imigração de alguns de seus indivíduos, pois, dentre outras considerações, os problemas continuariam ocorrendo em seus países de origem.
Estimular as capacidades individuais e o estabelecimento de mínimas metas existenciais pode ser positivo, sobretudo quando estatuído desde a infância e nos programas curriculares das escolas de educação básica. Propostas governamentais e políticas públicas deveriam contemplar o fortalecimento de metas existenciais para seus cidadãos para que se solidifiquem valores que contribuam para o desenvolvimento individual e coletivo.
São metas existenciais que fundamentam uma sociedade aquelas que apontam para que seus indivíduos sejam prósperos e vivam na plenitude de seus direitos, bem como as que valorizam o trabalho, a família, a educação, o relacionamento interpessoal, a legalidade do patrimônio pessoal, a justiça, o lazer e a espiritualidade.
A valorização e fortalecimento dos laços familiares deve visar a autonomia e independência de seus membros, o respeito, a amizade, a cooperação e o exercício da cidadania pelo bem de todos. O estímulo a metas existenciais que valorizem o intelecto, a aprendizagem, o aperfeiçoamento pessoal, o conhecimento das coisas certamente ampliaria a autoestima do cidadão ao mesmo tempo que o capacitaria para novos desafios, sobretudo no campo profissional. O desejo de uma boa formação profissional, de progredir em uma carreira, de empreender e de alcançar sucesso deveriam ser estimulados desde a infância. Da mesma forma, também deveria ser estimulado o desejo de construção de um lar saudável, confortável e harmonioso, garantido pela propriedade digna e legal.
Quando o ser humano alimenta um horizonte e deseja alcançar sucesso em uma sociedade que ele mesmo constrói, sem a espera de benefícios paternalistas de governos, torna-se autodeterminado e responsável pelo bem-estar pessoal e coletivo. Em paralelo, todo indivíduo necessita de metas espirituais onde constem uma visão de vida positiva, uma percepção compreensiva do sentido da morte e o não temor à continuidade da própria existência após o viver.

segunda-feira, 27 de abril de 2020

Voar

À semelhança das aves, todo ser humano deve aprender a sair do chão em suas ideias. Manter-se na posição de quem não vai além do senso comum é escravizar-se às ideias coletivas, tornando-se marionete dos que detêm o poder. Voar significa pensar além dos partidos, dos grupos, dos sindicatos e das associações particulares voltando-se para a sociedade em sua totalidade. É preciso pensar grande, aventurar-se sem perder a noção de realidade, ampliando a criatividade. Quando um povo se submete a uma única vontade, nascem os extremismos que costumam estagnar seu progresso.
Quando as discussões e debates permanecem nas polaridades, a mediocridade impera, pois não há aceitação do novo nem a singularidade é respeitada. Faltam mentes lúcidas, arejamento de ideias e aceitação do que representa o respeito ao bem-comum. Velhos caudilhos e seu asseclas já não trazem o que o povo necessita, pois querem manter o status quo em que se perpetuam no poder. Estão mais preocupados com seus projetos pessoais de poder do que em fazer progredir a sociedade. São aves de rapina que se aproveitam do sofrimento humano.
Não se ocupam em educar o povo. Suas ideias não vão além de construir e inaugurar escolas. Não investem em educação, mas em prédios. Não preparam adequadamente o professor, optando por empoderar o aluno em nome da outorga de uma liberdade que ele ainda não sabe exercer. Remuneram mal o professor, firmando-se na lei de responsabilidade fiscal, mas gastam recursos públicos para se reelegerem. Governam, mas não melhoram a vida das pessoas, pois se mostram salvadores do martírios que eles mesmos provocam. São lobos em pele de cordeiro.
Antigos heróis, que se beneficiaram dos aplausos populares, retornam à cena pública para reforçar antigas ideias que não cabem mais para uma sociedade que deseja progredir sem o braço acomodatício do Estado. Até quando o cidadão vai aceitar o comando da sociedade por aqueles que, em sua insanidade e incompetência, continuam a despejar palavras em discursos vazios de significado, pois miram a disputa política. Que pena que o cidadão comum aceita ser alvo da vilania dos que optaram pela cegueira do poder político.
Estimular a livre iniciativa, incentivar o empreendedorismo, oferecer ideias criativas e valorizar a pessoa humana são tarefas urgentes para que a sociedade encontre seu rumo assertivo para o progresso social. Governos se sucedem e os problemas continuam os mesmos, pois ainda não foi criada uma escola para governantes, nem a corrupção, que se encontra disseminada na sociedade, foi debelada. Uma nova geração de pessoas deverá  vir, com características singulares e éticas para mudar o que aí está. A propriedade de uma ética robusta e a capacidade de ir além da visão rasteira das disputas eleitorais será instalada na mente humana.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Opinadores

É comum o cidadão entregar tudo que uma cidade necessita para que os governos executem. Há ainda os que esperam dos governos a definição de suas vidas, bem como os benefícios que acreditam serem credores. Muito embora haja obrigações governamentais que não se pode dispensar, cuja exigência deve ir além da escolha em quem votar, não se deve esperar tudo dos governos nem abrir mão do que compete a cada cidadão realizar por si mesmo.
Dentro desta perspectiva, encontramos diferentes tipos de opinadores políticos, que podem ser divididos em três níveis. Os do nível primário, caracterizado pela imaturidade que os levam a escolher um dos lados, condenando sumariamente o outro, com justificativas frágeis e tendenciosas. Suas opiniões são radicais e pautadas em cima de um determinado aspecto que os agradam em suas preferências. São capazes de argumentar ferrenhamente a favor de um lado, assemelhando-se a um culto cuja fé é inabalável. São fundamentalistas e evocam valores superiores para justificar suas opiniões. Os do nível intermediário, que escolhe um lado, mas aproveitam algumas opiniões positivas do outro, não são radicais e mudam de opinião de acordo com a conveniência e com o meio em que se encontram. Nem sempre opinam, pois não querem ser criticados e não têm informações suficientes para sustentar suas escolhas. São mais fáceis de manipulação pelos radicais. São inseguros e alienados politicamente e não se dão conta do prejuízo que causam à coletividade por serem neutros. Por fim, os do nível adulto, que analisam ambos os lados, valorizando o que atende requisitos que solidificam valores fundamentais para a sociedade. Concordam com filosofias que engendram prosperidade. Analisam dados acima de opiniões. Não se deixam influenciar por opiniões radicais. Estão atentos à guerra midiática das empresas de comunicação e das redes sociais. Não se deixam influenciar pelo que circula em grupos radicais. São a favor de todas as classes, de todas as tribos e de todas as etnias. Respeitam as minorias e as maiorias. Consideram importante aqueles que pregam o que vivem e que não atuam em causa própria. Sentem-se a vontade para opinar contra e a favor das diferentes posições partidárias. Respeitam as pessoas mesmo que discordem de suas ideias. Estão atentas aos que opinam a favor de boas ideias, mas que têm interesses pessoais escondidos.
O debate livre, sem partidarismo primário, sem ideologias discriminatórias e sem privilégios de qualquer natureza requer uma mente arejada por ideias altruístas. As diferentes opiniões devem ser respeitadas e não cabem sanções aos que divergem de qualquer dos lados. Todos devem olhar para o país e para os imensos desafios de uma sociedade carente de muitos serviços, sobretudo de uma boa educação. Aos que fazem política cabe a reflexão sobre o que impõem aos cidadãos como obrigação e que devem seguir como norma pessoal.

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Loteria

Milhões de brasileiros apostam na loteria, imaginando enriquecer do dia para a noite. Acreditam que a solução de seus problemas esteja em ter muito dinheiro. Seria um pensamento correto se não fosse o modo instantâneo, quase mágico, de como foi obtido. Ter dinheiro pode ser algo muito útil na vida de uma pessoa, permitindo-lhe grandes possibilidades de realizações. Ganhar na loteria implica pular etapas que permitiriam a aquisição de significativas experiências que capacitariam o ganhador à conquista de dinheiro. Essa experiência perdida pode lhe custar a capacidade para bem administrar seus recursos.
É legítimo jogar na loteria, como também é válida a obtenção do prêmio, independentemente de se pular etapas nas quais ocorreria a aquisição daquelas experiências. Porém, é necessária a reflexão sobre a sangria de certa qualidade de energia perdida quando há o vício. O desejo de facilmente ganhar pode, inconscientemente, reduzir os esforços para adquiri-lo pelo suor do trabalho e pela estimulação da criatividade.
A justificativa para a legalização do jogo é o bom emprego dos impostos descontados, administrados pelo Poder Público, cuja utilidade real é vista em programas sociais. Por esta razão, muitos querem que haja a implantação legal de outras modalidades de jogos e de cassinos no país. É preciso avaliar o impacto do jogo livre em uma sociedade pobre, em que o trabalhador ganha muito pouco para sua sobrevivência.
Psicologicamente, o ato sistemático de jogar representa uma tentativa de atender a um complexo psicológico para compensar um sentimento de inferioridade. A intensidade do complexo corresponderá ao tamanho da ambição a ser alcançada. O jogador compulsivo é aquele que sacrifica seus recursos, seu patrimônio e seu tempo para tentar ganhar.
Longe do jogo em loterias, em jogos de azar ou em diferentes tipos de apostas existe o jogo do poder, praticado por aqueles cuja vaidade e ambição são desmedidas. São os que arriscam suas vidas e daqueles que não sabem que são tratados como marionetes pelos que adoecem no jogo político sem ética. São jogadores insensíveis e insanos, cuja consciência fica aparentemente tranquila por se sentirem missionários, salvadores do mundo. Nem sempre os jogadores são políticos, mas certamente atuam de forma semelhante ou em conluio com eles, contribuindo para a demora na construção de um mundo melhor. Jogadores contumazes são doentes, pois desviam suas energias do viver para atender a ambição desenfreada, em prejuízo de si mesmos e dos que os cercam.
Sua fé está a serviço do ganho mágico e da vontade de aliviar-se do trabalho cotidiano, comum a todos que nele encontram dignidade. Mesmo assim, não é acaso ganhar na loteria, pois tudo indica haver uma conjugação de fatores que atuam para que determinada pessoa seja o ganhador. Melhor para quem ganha, porém a Vida lhe exigirá alta capacidade para administrar seu prêmio.

segunda-feira, 6 de abril de 2020

Autorrealização

Quando é que o ser humano vai acordar para uma vida plena, sentindo-se livre e autodeterminado? Quando será que sairá da letargia de uma vida regada a pensamentos baseados no que seus limitados sentidos físicos permitem? Será que sua inteligência ainda tem a mesma capacidade do homo sapiens que habitava as cavernas? Creio que não. Então é hora de romper com a mediocridade do olhar para a vida sem temê-la. Por acaso não percebe que a evolução premia todos que atuam de forma a promover o bem-estar pessoal e simultaneamente coletivo?
Levantem-se aqueles que já acordaram para a percepção de que conseguem manejar seu próprio destino sem medos, ansiedades ou apegos. É hora de entender que, além de seus sentidos corporais, possui e dirige uma mente na qual se situa no centro como seu proprietário. Chega de orgulho, vaidades ou egoísmo que atrasam a percepção de que o sentido da vida não se encontra nas vitórias minúsculas que os sistemas vigentes oferecem, mas em uma história de vida que inclua a construção de um mundo melhor para todos.
Qual o prazer de ver alguém falir, sofrer ou ser derrotado? Talvez atenda aos que querem reinar em um mundo próprio, único e cheio de pessoas subservientes como se necessitasse de súditos. Não se trata de questionar se levam algo quando morrem. Muito embora válido, este raciocínio não equaciona o viver a vida presente de forma a também lhe dar um significado para a sociedade. Uma vida sem sentido é como enganar-se para agradar aos outros com uma imagem altamente positiva, tendo inabilidades, deficiências e angústias lancinantes.
A vida precisa ser vivida sem exigências de perfeição, de demonstrações de feitos nem de ostentações pueris, que o tempo corrói. A autorrealização é a máxima e melhor utilização das habilidades conquistados a serviço do bem-estar pessoal e coletivo, gerando prosperidade e desenvolvimento à sociedade. Quando uma pessoa bem-sucedida promove o melhor para a própria família e para seus parentes diretos cumpre um dever que atende ao clã do qual faz parte. Quando vai além de seu clã, serve à sociedade, contribuindo para que todos ganhem. O alcance desta contribuição eleva a sociedade a um novo patamar, promovendo o indivíduo que assim procede à condição de benfeitor e de uma pessoa realizada.
Autorrealização não é uma conquista exclusivamente religiosa, pois a vida deve se realizar não apenas no Além, mas dentro dela mesma para que contemple todos aqueles que dela podem se beneficiar. A religiosidade contribui, mas se equivoca quando promete o melhor para depois da vida e quando transfere para forças sobrenaturais as soluções dos males humanos. A meta pessoal de evoluir não dispensa o mundo e sua melhoria como proposta em igualdade de valor com a própria realização. Autorrealizar-se é para acontecer no mundo, com ele e por causa dele. Neste mundo se encontram indistintamente todos os seres humanos.

segunda-feira, 30 de março de 2020

O Enganador

Sísifo é o mito grego que trata do ser humano que se recusa a morrer, contrariando a lei natural da vida. Sísifo era um ladrão que chegou ao reino dos mortos propositadamente sem as vestes adequadas, tendo sido autorizado a voltar ao mundo dos vivos para resolver o problema. Por ter enganado novamente os deuses não retornando ao seu destino final, foi condenado impiedosamente a rolar um bloco de pedra montanha acima. Mal chegado ao cume, o bloco rola montanha abaixo. Sísifo recomeça repetitivamente sua sina de rolar a pedra montanha acima.
Permanecendo ou não no reino dos mortos, Sísifo continua sendo o ladrão, cuja vida desonrada se perpetua como um solerte enganador. Sísifo é o ser humano que desesperadamente luta contra a morte, no seu direito de viver como proprietário de seu destino. Engana a morte como todo ser humano que cuida de sua saúde. Porém, sua condição de ladrão nem sempre está presente no ser humano. Só alguns que acreditam poder sempre enganar os outros, que, mesmo protegidos pelo anonimato, abrigados por estratégias que os escondem do escárnio público e distantes do julgamento coletivo rolarão suas pedras na consciência culposa.
Bastaria a Sísifo ser apenas aquele que rejeita a morte, porém ele é o ladrão, aquele que rouba e que retira o que não lhe pertence; o imoral que não respeita o alheio. Encontramos Sísifo também naqueles que foram pegos pela Operação Lava Jato. São pessoas que pensam enganar a morte, isto é, que acreditam que ficarão impunes, que não perderão o poder e que roubaram por uma “boa causa”. Os que ainda não foram pegos pelo Justiça, e mesmo que não o sejam, portanto, que simbolicamente não morreram por se encontrarem em evidência, continuam ladrões. Não perdem a empáfia, mas continuam ladrões. Alguns detêm o poder temporal, mas continuam ladrões.
São ladrões do dinheiro público, da esperança do povo e da vida dos que nasceram para experimentar seu direito à liberdade, a sua autonomia e a alcançar prosperidade. Os ladrões do dinheiro público vão rolar suas pedras na consciência, cuja dinâmica não depende de tribunais ou de processos legais, pois alcança a todos indistintamente. Sísifo se encontra presente tanto nos marginais que cometem pequenos delitos e como nos que ambicionam o poder, locupletando-se nele, acreditando-se arautos e missionários defensores dos mais pobres, que nunca lhes deram procuração.
Mesmo ladrões, encontram justificativas em suas consciências para não se considerarem como tais. Evocam a defesa do povo sofrido, novamente enganando alguns e a si mesmos. Mas não enganam as leis da Vida, que sempre oferece a cada um de acordo com o uso ético de suas habilidades. Deixar de rolar a pedra requer humildade, grandeza de espírito e consciência da própria humanidade. Aí sim, poderão deixar de serem ladrões.

segunda-feira, 23 de março de 2020

A angústia da alma

O ser humano é necessariamente o realizador responsável pelo próprio destino, cuja ignorância a respeito de si mesmo provoca-lhe dificuldades e, ao mesmo tempo, o aprendizado para prosseguir sua jornada. A enorme quantidade de opções e escolhas por onde trilhar nos caminhos da vida atestam que seu destino não está previamente traçado, nem o ser humano é títere de um deus mecanicista.
Em geral, ele busca o poder, o prazer ou a transcendência a fim de atender ao inexorável impulso para viver. Mesmo sem saber para que vive e qual o significado de sua vida, segue quase inconscientemente atendendo ao anseio coletivo do meio em que é educado. Nesta inconsciência, adquire uma angústia que se enraíza em sua essência e que lhe corrói lentamente a mente, entristecendo-o. Em sua luta contra a angústia, adquire o poder efêmero e sem sentido; para esquecê-la, nega-a entorpecendo os sentidos com o prazer barato; tenta fugir dela pela fé pueril, aceitando crenças superficiais que o levam a um vazio maior ainda.
Sua angústia solapa sua consciência oferecendo-lhe a riqueza e a ostentação, ambas de uso limitado e com o enorme potencial de adiar seu amadurecimento para o entendimento do sentido da própria vida. Vive um mundo de máscaras e de personas que dominam sua verdadeira identidade e singularidade essencial, provocando-lhe uma vida inautêntica. A angústia da alma é um tema que permanece no indivíduo, geralmente sem dela se dar conta, requerendo cura.
Entre os fatores que contribuem para a permanência da angústia da alma encontra-se a adoção a um modelo mecanicista de pensar e agir, tornando o ser humano escravo de conformidades que o atrasam e anulam suas aspirações transcendentes. Sua impotência ante a morte, não compreendendo seu significado nem aceitando a finitude do personagem que criou para si mesmo e que o representa no mundo, responde também pela manutenção da angústia.
Não é raro encontrar-se pessoas bem-sucedidas, vivendo confortavelmente, com excelente patrimônio e desfrutando os prazeres da vida apresentando uma angústia lancinante e buscando meios inadequados para resolvê-la. Muitos se viciam em drogas lícitas ou ilícitas, quando não apresentam doenças graves ou sérios transtornos psíquicos. Tem-se o exemplo dos poderosos empresários e políticos que se perderam na corrupção, denunciados pela Operação Lava Jato demonstrando que a angústia da alma só pode ser resolvida quando ela própria se conhecer e se perceber tão divina quanto enxerga seus mitos religiosos.
Para os que se encontram em angústia, recomenda-se uma vida simples, um trabalho produtivo e ético, uma família alimentada por afetos, um laser sem sofisticações e uma espiritualidade madura e preenchida de atitudes renovadas. Sair da angústia é se tornar uma pessoa humana, espiritualizada e profundamente comprometida com o bem-estar pessoal e coletivo.

segunda-feira, 16 de março de 2020

Religiosidade

O humano é um ser respondente que constrói uma personalidade como reação ao seu movimento interno para realizar a vida. Em sua personalidade constam adições de ideias e crenças que buscam reduzir a tensão provocada pelo impulso psíquico que lhe é inerente. A adoção e prática de uma religião é uma dessas opções, talvez a mais sedutora, para aplacar a tensão gerada por sua dificuldade em compreender esta força interior que lhe exige inexoravelmente viver.
São muitas opções, quantas são as religiões, cuja importância está em também permitir a sobrevivência e o equilíbrio psíquico do ser humano. Sem elas, a alma tende a se perder em diferentes modos de alienação, sobretudo pelo entorpecimento dos sentidos, o que revela se tratar de uma força irrefreável. Quanto mais o ser humano descobre sua religião pessoal, melhor compreende sua existência e seu destino.
Quando o ser humano não adota uma religião, necessariamente apresenta uma filosofia que lhe corresponde em valor e a ela entrega seus melhores argumentos em substituição à fé. Esta substituição se deve ao distanciamento gradativo entre as doutrinas religiosas e o conhecimento humano, que cada vez mais o põe em contato com a percepção direta do significado da vida e da realidade em que se situa.
Há diferentes modos de expressão da religiosidade humana, sendo o mais comum o que segue regras e rituais que pretendem elevar a pessoa a uma transcendência que produza o sentimento profundo de realização interior. Neste estado, em comunhão com sua mais íntima essência, o ser humano consegue ter as respostas que tanto busca em sua vida para atender sua designação espiritual.
Religiosidade é atitude para com o sagrado, a serviço do bem-estar pessoal e coletivo que irmana todos os seres humanos me torno de um ideal comum. Longe de ser meio de salvação ou de separação, torna-se motivo de comunhão e elevação espiritual quando considera o amor, a paz e a harmonia na Terra como máximas a serem seguidas. Ao propor a imortalidade e a singularidade do ser humano, as religiões atingem a mais íntima essência da criatura humana, reduzindo sua angústia ante a morte.
São as religiões que produzem certos ícones que servem de exemplo para a humanidade, pois sugerem ética, compaixão e espiritualidade em seus atos. Com eles, aprendemos que a vida encontra seu sentido e significado quando o outro é compreendido em sua diversidade, amado por sua identidade singular e respeitado em sua condição de criatura divina. Um destes bons exemplos encontramos em Irmã Dulce, cuja religiosidade transcendeu os muros da própria religião que adotou, levando às pessoas a certeza de que o bem faz bem e produz sentido para a vida. O reconhecimento público de sua vida, de sua obra e de sua fé traduz a importância de sermos pessoas mais solidárias, portanto, mais humanizadas.

segunda-feira, 9 de março de 2020

Diáspora da igualdade

O filósofo canadense H. M. McLuhan, morto em 1980, além de ter cunhado o termo Aldeia Global, antecipou em muitos anos o fenômeno tecnológico da Internet, que instantaneamente interligaria os seres humanos. Ele só não imaginou que, estimulada pela internet, a mobilidade, pelo desejo do ser humano em experimentar as mesmas condições que seus semelhantes, geraria novas diásporas no mundo, criando cada vez mais refugiados.
A belíssima música, Diáspora, composta e cantada por Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown, atesta este triste fenômeno. A música parece uma súplica em favor dos refugiados, cujo problema comove o mundo. Feliz inspiração desse maravilhoso trio, cuja sensibilidade toca a alma de quem consegue se colocar no lugar daqueles que se veem sem um lar, sem uma pátria ou que se encontram sem família em terras estrangeiras. Lembra-nos a saga dos judeus, que, mesmo perseguidos e sofrendo, conseguiram, ao se espalharem pelo mundo, disseminar inúmeros conhecimentos para a Humanidade. A música dos Tribalistas, como uma oração, é dirigida a Deus, questionando onde se encontraria, pois permite tamanho sofrimento porque passam os refugiados.
Eles anseiam por um lugar, como um refúgio, pois foram expatriados e expurgados sem direito a ter direito algum; apenas querem tão somente ser acolhidos e chamados de irmãos. Em geral, o fenômeno é causado por ditadores ou governos irresponsáveis e insensíveis que os expulsaram, cujo regime serve a poucos, sacrificando muitos. Ou saem em busca de outra opção além da morte, ou são por ela atingidos. São filhos da Terra, sem direito à terra ou de ocupar um lugar nela.
Por outro lado, parece que o fenômeno está associado à necessária quebra da ideia de raça pura, portanto em favor da consciência de que todos somos seres humanos, de que temos os mesmos direitos à dignidade de pertencimento e de que vivemos em um planeta desigual. A mistura de culturas se impõe contra a eugenia, a criação de fronteiras que separem pessoas ou à valorização desta ou aquela cultura em detrimento da pessoa humana. O ser humano necessita se enxergar em seu semelhante, vendo-o com a mesma lente com que a si mesmo percebe e se julga.
Creio que a resposta não vem diretamente de Deus, mas de sua mais importante criatura, o próprio ser humano que ainda necessita se humanizar. É nesta hora que é perceptível o quanto existe de pessoas que desejam religiosamente se espiritualizar sem, no entanto, conseguir se humanizar. Sim, a resposta deverá ser dada pelos seres humanos, cujo acolhimento e devolução da dignidade ao outro é um dever humanitário.
Refugiados são todos, mesmo em seu próprio lar, em sua pátria e em seu planeta, quando não se sentem pertencentes pela falta de um sentido e de um significado existencial ao não reconhecerem o outro como irmão ou ao julgá-lo sumariamente como inimigo.


segunda-feira, 2 de março de 2020

O Carro do Sol

Conta-se, na mitologia grega, que o jovem Faetonte indagou a sua mãe sobre quem era seu pai. Com muito orgulho, ela afirmou ser o deus Hélio e que morava em um palácio extremamente iluminado. Sabendo de sua realeza, foi em busca de suas raízes. Ao chegar ao palácio, foi recebido com tamanha alegria que o pai lhe concedeu um desejo. Como Hélio conduzia o Carro do Sol que atravessava a abóbada celeste iluminando a Terra e fazendo o dia acontecer, seu filho pediu para ocupar seu lugar. Como não lhe podia negar o pedido, advertiu o filho que a tarefa era difícil, senão impossível. Hélio ponderou que ele era muito jovem, imaturo e inexperiente no serviço. Disse ainda, que os cavalos que iria conduzir eram muito irascíveis e o terreno extremamente perigoso, íngreme e cheios de abismos. Mesmo assim, Faetonte assumiu a condução do Carro do Sol. Não precisou ir muito longe, pois os cavalos sentiram que eram conduzidos por mãos frágeis e vacilantes. Em pouco tempo, a quadriga deixou a rota e foi espalhando fogo no firmamento, que logo atingiu a terra, incendiando-a. O desastre só não foi maior porque Zeus, temendo uma grande catástrofe, desferiu um certeiro raio sobre Faetonte, fulminando-o instantaneamente. No túmulo de Faetonte consta que alia jazia quem morreu em gesta gloriosa.
O mito retrata a incompetência e imaturidade dos que pensam governar bem, quando querem deixar seu nome para a posteridade ou que o fazem para eleger um sucessor que mantenha o poder dentro de um partido. Atendem aos próprios interesses e alardeiam feitos superficiais. São governantes que não compreendem que o poder não lhes pertence e que são funcionários públicos a serviço do progresso geral, mas, por ignorância, acreditam que são nobres e proprietários do palácio real.
Por vezes utilizam prerrogativas legais, mesmo sabendo que irão prejudicar a sociedade, simplesmente por motivos políticos partidários, atuam para a plateia, à espera de aplausos e de terem seus nomes inscritos na galeria dos heróis salvadores. São como Faetonte, incompetentes e pueris só por querer deixar uma imagem de benfeitores. São perdedores, pois o poder passa e não deixa marcas no coração de ninguém. Serão fulminados pela história, que não polpa os que tripudiam sobre a inteligência e a mentalidade coletiva.
O carro do sol é inexorável e necessita de mãos hábeis para conduzi-lo, pois contempla levar uma sociedade alquebrada pela irresponsabilidade de outros que, fazendo o mesmo, deixaram um rastro de pobreza, insegurança e sobretudo um sistema educacional falido, onde o professor é refém de alunos famintos, perdidos e empoderados contra a qualidade do ensino. Quando será que os governantes vão aprender a fazer o mínimo necessário, com maturidade e competência, saindo depois, no anonimato, consciente de que deu o seu melhor?

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Um bom governo

Um bom governo não necessita de propaganda, mas de disponibilizar informações para um melhor uso dos serviços públicos ofertados ao cidadão. Quando um governo se ufaniza pelos feitos que são obrigatórios, esconde suas deficiências, tentando engabelar a sociedade. Governos, mesmo que eleitos pelo voto democrático, podem se tornar prejudiciais quando priorizam investimentos na realização de serviços de grande visibilidade, ou quando atuam partidariamente, em detrimento do que é básico e essencial.
São como um bando de aves de rapina que, pairando acima do cidadão comum, vivem de suas carências e se locupletam evidenciando seus despojos, lamentando suas mortes. Remam contra o progresso quando os créditos não lhes são atribuídos, portanto, boicotam a criação de serviços que seriam inaugurados pelo governo seguinte. Não aceitam que a sociedade progrida se os louros forem atribuídos a quem não lhes comungue com a filiação partidária. Estes, que assim procedem, fazem parte do jogo do poder em que todos perdem. Justificam-se afirmando que estas são as regras e que todos assim agem. Porém, esquecem de que igualar-se em vilania é perpetuá-la.
Sim, um bom governo deve ter um bom programa, tornado público desde sua candidatura, onde constem os investimentos, e respectivas fontes de captação, que atinjam os setores da Educação, da Empregabilidade, da Saúde, da Segurança Pública, do Comércio, da Cidadania, dos Transportes, dos Direitos Humanos, do Lazer e da Espiritualidade. Porém, que não se situem apenas no curto espaço de tempo de um mandato, portanto, que alcancem o longo prazo por se tornarem políticas de Estado.
O que vemos, no período eleitoral e que se consolida no exercício dos mandatos, é uma disputa acirrada pelo lugar de salvador da pátria e pela ostentação do título de benfeitor público. Estes que assim atuam, assemelham-se aos césares dos circos romanos que, tripudiando sobre a vida humana, ofereciam-na em sacrifício para uma plateia patética e ignara. Anunciam obras públicas contaminadas previamente pela corrupção, em certames com cartas marcadas e vencedores acostumados a bajular os que possuem as chaves dos cofres do Estado. Os bajuladores se esquecem de que também prejudicam a sociedade, mesmo que justifiquem com grande oferta de empregos que viabilizam.
Um bom governo é aquele em que o cidadão é respeitado em sua diversidade, em seus direitos e em sua dignidade; é aquele que não privilegia setores da sociedade, nem governa para uns ou outros que deram mais votos, porque projetam seus horizontes sem a preocupação de se reelegerem.
Toda sociedade, mesmo quando nela possam ser encontradas pessoas que atuam contra sua estabilidade, merece um bom governo, pois excluir ou privilegiar grupos é demonstrar incompetência administrativa. Nem todo o povo tem o governo que merece, mas todo governo é o que dele não faz.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

O circo romano

É natural gostar de festas. Em geral, trazem alegria e renovação. Dissipam tensões e promovem a fraternidade entre as pessoas. Quando o hábito se transforma em vício, ou como única alternativa para que se alcance a felicidade, torna-se perigosa fuga da realidade. Cabe o discernimento aos que promovem, visto que também se comprometem com o modo estimulador das fragilidades humanas. Transformar a cidade de Salvador em constante palco de festas consideradas populares, sob o pretexto de incentivar o turismo é esquecer que existem necessidades básicas a serem satisfeitas antes de intoxicar o povo do entorpecimento fugaz. A cidade vive problemas sérios, sobretudo nas áreas da educação infantil e da saúde pública, esquecidas pelo poder público. É hora de pensarmos seriamente sobre o futuro, sem brincarmos de governar.
Assim agiam os imperadores romanos, que ofereciam ao povo o divertimento nas arenas para distrair o cidadão de seus graves problemas, enquanto eles e seus apaniguados se locupletavam. Do mesmo modo agiam os nobres franceses, enquanto o povo morria de fome eles se banqueteavam largamente. O carnaval de Salvador tem sua tradição, porém se transformou em sua festa máxima, sem limites, invadindo os dias úteis, reduzindo a normal produtividade da cidade. Para alguns foliões e outros que gostam de feriados, é um bom período para diversão e para descanso, mas para a maioria torna-se um transtorno de sua mobilidade e de sua vida normal.
Transformar Salvador em vitrine para dissipações momentâneas pode comprometer seu desenvolvimento. As escolas não funcionam, a segurança pública é exclusiva para os locais da festa, o comércio é restrito ao consumível pelo folião e quem mora naqueles locais tem sua vida interrompida. Ninguém consegue marcar consultas para cuidar da saúde naquele período, pois tudo funciona em torno do carnaval. Parece haver um grupo que lucra muito com o carnaval e certamente tem seus argumentos favoráveis quanto a indústria do turismo e aos recursos que trazem para os cofres da Prefeitura, porém defendem seus próprios interesses.
O cidadão sensato, que prefere a tranquilidade de sua cidade, foge dela, entregando-a aos excessos de quem aqui não vive e não tem compromisso com a cidade, deixando-a depredada, cuja limpeza e retorno ao natural custa caro aos cofres públicos, que de fato pertencem ao cidadão. Governar Salvador é uma delegação outorgada democraticamente, mas não é um cheque em branco. Parece que alguém quer ser o dono da cidade, pois se comporta como se não existissem graves problemas a serem resolvidos. Quem sofre é o povo, que, no período das festas, tenta ganhar alguma migalha na economia informal.  Particularmente, considero uma festa bonita e de legítima manifestação dos anseios e das repressões do ser humano, porém há que analisar os excessos estimulados pelo poder público.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Dia do Trabalho

De fato, há muito que reclamar. Desemprego, salários baixos, condições precárias de trabalho, plano de saúde com baixa cobertura, falta de perspectivas de ascensão funcional, falta de estabilidade no emprego, estes são alguns dos problemas enfrentados pelo trabalhador. Para quem reclamar? Do governo, do patrão, do sistema, do pai, da mãe, do azar, de Deus, de outra pessoa, da mídia, da ansiedade, de problemas particulares? Portanto, também são muitos os prováveis responsáveis diretos e indiretos pelo que passa o trabalhador. Talvez cada um dos relacionados possa ter sua cota de responsabilidade. Creio que o despreparo dos governantes, em todas as esferas administrativas, seja o mais citado. No entanto, há também causas na própria filosofia de vida de nossa sociedade. A espera de soluções externas para solução dos problemas pode ser uma delas.
Podemos apresentar muitas soluções para o problema, variáveis de acordo com seu principal responsável, porém melhor seria não depender de nenhum fator externo para alcançá-las. A espera determina um modo inercial perigoso, pois acomoda, gera dependência e dificulta qualificações úteis ao trabalhador. Qualificar-se é regra básica de quem quer um bom e estável emprego.
Admitamos que seja possível eliminar as causas, tendo o cidadão recebido o melhor desde sua infância, portanto, bons pais, boa educação, sem traumas e merecedor de um bom sistema social, porém, ainda assim talvez não consiga emprego ou trabalhe insatisfeito sem se realizar profissionalmente. Onde estaria então a causa para solução definitiva do problema senão na subjetividade da pessoa humana? O trabalho dignifica o ser humano, oportunizando a realização pessoal pelos meios de acesso que proporciona ao que pode ser alcançado pela capacidade de cada um. Quando o ser humano tiver acesso a uma boa educação bem como a viver em um sistema que priorize a dignidade e a qualidade de vida certamente haverá realização pessoal.
Um outro fator para que o ser humano alcance um bom trabalho e atinja sua realização pessoal é não transferir para nada nem para ninguém seu próprio esforço de superação das adversidades, capacitando-se mesmo que não lhe sejam dadas as condições para tal. Seu desafio sempre será vencer suas próprias limitações, sejam impostas ou sejam endógenas. A quem reclamar? Melhor atuar em duas frentes, reclamando ao sistema imposto e a si mesmo.
Reclamar de si mesmo é imperativo para quem deseja vencer, independentemente das exigências do cumprimento de obrigações aos principais responsáveis pela solução dos problemas humanos. Exija-se mais do que ao sistema, pois é o próprio indivíduo que muda a realidade a sua volta. Adotar uma filosofia de vida empreendedora, aliada a uma boa educação doméstica são alternativas imprescindíveis para a autonomia e independência da pessoa humana.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Saúde Mental

O ser humano compreende a confluência de fatores biológicos, psicológicos, sociais e espirituais, de cujo conjunto emerge sua individualidade. A conjunção destes campos constitui o grande complexo por onde transita o que se conhece com o nome de eu ou de pessoa humana.
No entanto, o ser humano ainda está muito longe do alcance do equilíbrio necessário para a conquista de uma vida plena e feliz. Para tanto, é desejável um corpo bem cuidado, uma psiquê em harmonia, uma vida social bem articulada e uma espiritualidade profunda e realizadora.
No biológico, valoriza-se mais a estética do que a saúde, preferindo-se ter a pele esticada do que a compreensão da importante função do envelhecimento; despreza-se uma melhor qualidade de vida agredindo-se o corpo com hábitos estressantes; frequentam-se academias geralmente para gastar os excessos na alimentação; o ser humano é mais hedonista do que altruísta.
No psicológico, desconhecendo o funcionamento da própria mente, o ser humano opta por agir instintivamente; critica mais o outro do que lhe compreende o comportamento; julga-se moralmente as pessoas sem a necessária autoanálise; despreza-se o sentir valorizando-se mais a excessiva racionalidade; cuida-se mais da imagem em detrimento da valorização da essência; preocupa-se mais com o que os outros pensam, denunciando real insegurança, do que a apresentação ao mundo com transparência e autenticidade; ambicionam-se coisas e poder sem pensar em autorrealização.
No social, ostenta-se mais do que se busca o aperfeiçoamento de habilidades; cuida-se mais do pessoal do que se preserva o coletivo; o ter ainda prepondera sobre o ser; retira-se mais da sociedade do que se devolve como valores éticos; a maioria quer ser servida mais do que servir; valoriza-se mais o privado desprezando-se a coisa pública; o egoísmo predomina sobre a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e harmônica.
No espiritual, vive-se uma religiosidade superficial sem a devida compreensão da transcendência do Espírito; adora-se um Deus para dele obter favores e benesses; aceitam-se dogmas sem a necessária preocupação com a instalação do perigoso fundamentalismo religioso; discriminam-se os que não comungam com suas crenças; por fim, ainda se pratica a religião para o atendimento a emergências psicológicas mal resolvidas.
Por estes motivos, o ser humano está muito longe da plenitude que almeja, necessitando observar que os métodos então utilizados de exaltação ao corpo, de manutenção da consciência tranquila, de uma vivência social egocêntrica e de uma incipiente espiritualidade que não resiste à compreensão precisa do significado da vida e da morte, estão falidos. Precisamos de uma nova ordem baseada na busca real pelo sentido e significado da vida, cujos fundamentos devem ser ensinados desde a educação infantil, em casa e na escola.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Desenvolvimento

Recentemente estive na Escandinávia e pude ver de perto pessoas vivendo com excelente qualidade de vida em países desenvolvidos. Um destes países, a Noruega, tem o maior IDH do mundo: 0,953. Questionei-me por que meu país não tem o mesmo. As pessoas de lá são como as de cá, portanto, todos são seres humanos. O que nos falta? Não creio que seja uma questão tão somente política ou mesmo relativa a governos. As diferenças entre aquelas sociedades e a nossa são muitas. Nossos problemas estão na educação, na saúde, na mobilidade, na moradia, na violência urbana, na intolerância religiosa, na discriminação, no descaso com a coisa pública, na corrupção etc.
O que fazer ante tantos problemas? O IDH do Brasil é 0,759, que coloca o país na septuagésima nona posição. O IDH envolve a expectativa de vida ao nascer, a quantidade de anos de estudos e o poder de compra do cidadão. São fatores que apenas sinalizam de forma sintética que aquelas sociedades possuem altos índices de desenvolvimento nos campos medidos. O IDH não reflete a totalidade de uma sociedade, mas sinaliza para três grandes áreas que merecem investimentos maciços para que venham trazer prosperidade aos seus habitantes: a expectativa de vida, a educação e a capacidade de renda para o acesso aos benefícios oferecidos pela sociedade.
Claro que as soluções passam pela política, pelo governo e pelo sistema social em vigor. Porém, os protagonistas da sociedade não podem ficar de fora. Não se pode excluir individualmente o cidadão nem tampouco os setores que fazem a dinâmica da sociedade. A consciência a ser incutida no cidadão é de que ele é o protagonista da formação da sociedade e o responsável direto em promover sua qualidade. Na outra ponta está o empreendedor, pois é ele que movimenta a sociedade e gira o capital que favorece a existência de serviços, sejam privados ou públicos.
É necessário que haja um pacto que envolva as entidades representativas dos cidadãos e dos empresários, referendado pelo poder legislativo. Neste intuito, o Congresso Nacional deve funcionar como legitimador do pacto, a fim de que haja legalidade. Cabe ao cidadão, devidamente representado, fazer valer seus verdadeiros anseios de construção de uma sociedade melhor. Creio que esta saída deve começar a acontecer simultaneamente na escola, no ambiente familiar, nas empresas e nas instituições religiosas.
Aguardar fórmulas mágicas, líderes carismáticos, leis duras ou cadeias para os infratores é atacar as consequências sem eliminar as causas. A guerra urbana contra as drogas é um dos exemplos de como o Estado cuida dos efeitos utilizando-se de meios fomentadores de mais alienação e de violência. O desenvolvimento de um país se dá quando o cidadão o enxergar como o lugar de oportunidades para todos empreenderem e se beneficiarem de seus frutos.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Mentes lúcidas

Minha formação como psicólogo se deu na Universidade Federal da Bahia, depois de ter passado, até a conclusão do segundo grau, por quatro escolas públicas. Portanto, minha formação básica foi em escola pública e gratuita. Grande parte de meu conhecimento e de meu caráter devo aos meus professores.
Não tenho dúvidas sobre a necessidade premente de valorização do professor e da importância de seu lugar como elemento organizador e estruturador do que ocorre em uma sala de aula. Creio que parte da violência vista em escolas públicas, chegando até à tragédia de um massacre com mortes, tem como uma de suas inúmeras causas o descaso ao professor. Sua formação, sua remuneração, sua autoridade e seu valor têm sido negligenciados pela sociedade, pelos governos e pela opinião pública.
Onde estão as mentes lúcidas de nossa terra que não percebem isto? Deixam a carreira e o papel do professor em sala de aula à deriva, sem pudor, buscando medidas paliativas, mesmo que necessárias, tão somente reduzindo os efeitos.
O empoderamento do aluno deve ter limites, portanto, não pode ultrapassar a autoridade do verdadeiro gestor do ensino. A pedagogia deve merecer significativas alterações, pois o aluno de hoje não é mais uma criança desinformada e desprovida de senso crítico. A pedagogia, que, etimologicamente, é a condução de crianças, deve ser substituída por uma outra ciência que se ocupe da condução de pessoas informadas pela tecnologia. Temos que criar uma ciência que se volte para o ensino deste novo ser do Século XXI, que, mesmo sendo uma criança, e, portanto, não sendo um adulto, detém um apurado senso crítico e um volume incalculável de informações sobre tudo que a cerca, e que acredita que tudo pode com o apertar de um botão.
Como o professor vai lidar com este novo ser sem estar preparado para tal desafio? Certamente não é ele que vai portar uma arma ou vai ser um mártir, mas é ele que vai conduzir este aluno para que o respeite, como também ao que é público. O aluno, desde o berço, deve ser educado para ser um cidadão, que aprende que o espaço público não lhe pertence nem dele possui uma cota que possa reivindicar como sua, pois se trata de um bem de propriedade coletiva.
Acirrar o debate sobre educação, transferindo-o para a polarização política é um caminho que a retira do foco para jogar os holofotes sobre o partidarismo de ocasião que, jogando com os verdadeiros protagonistas, toma-lhes o lugar. Assemelham-se, os oportunistas em política, a aves de rapina que, sugando a última gota de sangue de suas vítimas, mata-as, locupletando-se com seus cadáveres.
As mentes lúcidas de uma sociedade evoluída devem ser os professores, pois são eles que conduzem pessoas para aprenderem a aprender. São eles que estimulam o melhor em seus alunos. Eles não são a causa, mas certamente são a solução para muitos problemas que ocorrem com a educação em nosso país.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Nosso futuro

É a vida um curto espaço de tempo entre o nascer e o morrer, cujo objetivo é a obtenção de sucesso? Este sucesso significa aprender, obter um bom emprego, ter dinheiro e patrimônio e depois, ou concomitantemente, pelo trabalho digno usufruir do que conquistou? Talvez não seja apenas isto.
Mesmo sabendo que a maioria das pessoas deseja este sucesso, creio que isto é muito pobre, repetitivo, quase beirando a mediocridade. Por que então vemos pessoas bem sucedidas com depressão, infelizes ou desestimuladas para viver, algumas, inclusive, dando péssimo exemplo de ética?
Deveria haver uma política pública para o envelhecimento, isto é, uma preparação para o viver visando a aposentadoria. O que deixaria o ser humano plenamente feliz e satisfeito com a vida senão o sentimento do dever cumprido, de ter ele mesmo realizado o próprio destino? Portanto, há que haver um futuro diferente e melhor para o ser humano além daquele sucesso minúsculo.
O adulto e o idoso de hoje precisam de uma educação que lhes faltaram na infância. Não se trata tão somente de educar para uma morte digna, mas de ensinar a dar continuidade ao viver com um sentido maior. Quem já envelheceu necessita ser estimulado a voltar a se interessar por aprender para que ainda alcance o sentido da vida. Deve-se aproveitar a experiência do idoso, educando-o a devolver à sociedade o que dela recebeu. Dando sua cota de serviços necessários à sua própria satisfação. Com isto ele aprenderá que a morte é um destino digno quando se deixa um legado social.
Certamente saber que reconhecidamente contribuiu e contribui diretamente para a construção de uma sociedade melhor, que alcançou o sentido de sua vida e que a morte lhe é compreensivelmente uma experiência para a qual adequadamente se preparou o deixará, a qualquer tempo, feliz e realizado.
Tal não ocorre por que não trabalha conscientemente e diretamente para um mundo melhor, não alcança o significado de sua existência nem se contenta com a morte como destino final de sua vida no corpo. Falta-lhe educação, conscientização, propriedade de seu destino sem terceirização de responsabilidades e, sobretudo, uma noção superior e transcendente para a própria vida. Por conta disto há inegavelmente um vazio existencial em cada ser humano. Ou a noção de responsabilidade coletiva, de solidariedade para a cidadania e de metas existenciais alcançáveis são exaustivamente disseminadas e internalizadas por cada ser humano ou o vazio da vida permanecerá.
É este vazio o sintoma de uma sociedade constituída de autômatos, indivíduos sem norte e sem filosofia que o prepare para o agora e que inclua sua morte. Não se trata de uma preparação para o Além, mas para as experiências da vida presente em todas as suas etapas. O vazio desaparecerá quando o indivíduo compreender que deve sua cota de serviços voluntários e gratuitos ao mundo para que o mundo seja seu melhor legado.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Mitomania

Tipos humanos quando envergam um personagem que ganha notoriedade, seja pelo talento manifesto por alguma habilidade ou por motivos outros, acabam por seguir um protocolo padrão de geração de uma caricatura de si mesmos. Tornam-se escravos de sua vaidade e do títere que assumiram para o público. Não percebem que jogam para a torcida, vivendo uma vida inautêntica.
O fenômeno da internet, com suas redes sociais, alijando, ao menos inicialmente, os meios tradicionais de comunicação, contribui sobremaneira para esta alienação pessoal. Constitui-se o palco para o títere encontrar-se com seus admiradores de ocasião. De forma inconsciente, alimentam o personagem com qualidades que não possuem, tornando-se o que gostariam de ser e que não são.
Mentem deslavadamente, transformando em realidade aquilo que se passa em seu delírio psicológico, contaminando pessoas incautas e assaltando a história a seu favor. Praticam a mentira patológica, doentia e contaminadora de mais virulência.
A mitomania costuma atingir figuras públicas que se inebriam pela vaidade compensatória, oriunda de uma inferioridade inconsciente. Criam um personagem idealizado pelo desejo de manutenção de uma imagem agradável ao coletivo, ao gosto de uma mídia sequiosa de que continuem produzindo o que seus simpatizantes preferem.
Eles, os mitomaníacos, vão além da classe política, postulando-se nos muitos palcos oferecidos pela modernidade, sobretudo quando encontram um nicho em que se locupletam. Outros, mais insanos, acreditam que estão dentro das regras do jogo e se afirmam heróis ou mártires de uma revolução imaginária, por eles encabeçada, que atrai os que buscam soluções mágicas, e pelos outros tornadas possíveis, para saírem da inércia em que a própria incompetência os situam.
São santos de uma pseudo-religião por eles inventada, posando como se fossem profissionais de um show business falido e eticamente insustentável. Mentem, enganam e distorcem sem o menor pudor, produzindo fake news como sintoma de sua mitomania. Escondem-se por detrás do personagem criado. Geralmente o personagem é legitimado por um grupo, corporação, classe ou pela própria sociedade que constrói seus mitos. Distorcem os fatos, alterando a realidade, para se colocarem como vítimas, buscando sintonia com os pobres, ou com os estropiados ou com os indefesos.
Como evitar este fenômeno midiático? Como fazer nascer uma sociedade que alija os que veem o mundo como um locus de realização de sua vaidade e de sua glorificação endeusada? Não resta dúvida que precisamos de pessoas lúcidas, educadas dentro de um sistema ético e comprometidas com valores capazes de elevar a pessoa humana à sua máxima dignidade. O início deste laborioso processo está na educação de base, portanto, em uma escola cujos professores sejam valorizados e preparados para uma nova onda de excelência do ensino.

Brumadinho

Tem alguém o direito de determinar o tipo de morte de uma pessoa, sobretudo soterrada em uma lama produzida em desrespeito à sua integridade e ao meio ambiente? Não deveria. A sociedade legalmente constituída e legitimada ainda por frágeis leis, continua outorgando aleatoriamente e de forma inconsequente, este direito em prejuízo da vida humana. Este poder absurdo deve ser prioritariamente extirpado sob pena de a lamentação de inúmeras famílias se tornar um mantra diário. Até quando crimes serão cometidos sem que se tomem adequadas providências?
Não se trata tão somente do aperfeiçoamento de controles, licenças ou de modernas construções tecnologicamente edificadas, mas da outorga sobre o próprio destino humano. É preciso que cada indivíduo assuma a propriedade de sua vida, não mais permitindo que seu destino esteja submetido à incúria de alguém.
Certamente, um dia, o ser humano entenderá que tudo que faz, portanto, toda atividade que executa, remunerada ou não, interfere na vida de alguém. O destino de uma pessoa sofre a interferência das ações de outras. Um caixa de um mercado, uma bordadeira, um professor, um agricultor, em engenheiro, um médico, um programador de computador, portanto, qualquer que seja a profissão que se exerça, atinge a vida e o destino de outros seres humanos. Por esta razão, desde cedo, ainda criança, todos deveriam ser educados para a consciência desta responsabilidade. Não devemos entregá-la tão somente aos que se encontram no comando de atividades de risco ou ao Estado.
Se minha vida também está nas mãos de outra pessoa, cuja atividade não se encontra sob a mira de minha fiscalização, então o que faço tem a mesma relevância, cabendo-me executá-lo com o máximo de cuidado e com o dever de sinalizar quando me parecer vulnerável ante novas variáveis intervenientes.
Mesmo que protocolos sejam seguidos, ainda que o cumprimento de ordens superiores seja obrigatório, todos devem estar atentos ao aprimoramento na execução de qualquer atividade dirigida a outro ser humano. O cuidado com o que fazemos deve vir de berço, ampliado pela escola e consolidado no convívio social. Família, escola e grupo social são os ambientes em que as ideias circulam e são assimiladas. Seus protagonistas, representados pelos pais, pelos professores e pela opinião pública que circula nos meios de comunicação, carecem de atenção e de liberdade para que suas influências sejam benéficas no intuito de mudar ou melhorar a vida humana em sociedade.
A outorga do poder de determinar como morreremos está na medida de se viver uma vida inautêntica e sem sentido. A vida humana não pertence a empresas, a agências reguladoras nem ao Estado, mas ao próprio indivíduo que deve se tornar seu legítimo proprietário, assumindo seu lugar de comando sobre ela, sem prejuízo a aplicação de responsabilidades legais aos culpados.