segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Tipos Baianos

Salvador é uma cidade de muitos tipos. Aqui são permitidas todas as diversidades. O comportamento é quase ditado totalmente pela liberdade. Isto a torna convidativa ao viver plenamente, mesmo com alguns excessos visíveis a todos. Aqui há pessoas inteligentes. Tudo que fazem é bem feito. São bem sucedidas profissionalmente e costumam levar o nome da cidade para brilhar bem alto. São nossos exemplos de saber. Aqui também temos pessoas muito cultas. Conhecem literatura, arte e sabem opinar de forma clássica. São eruditas e têm gosto refinado. Estão onde o conhecimento se faz presente, sobretudo nas Universidades.
Também temos pessoas ricas. Têm um bom patrimônio conquistado pelo trabalho. São prósperas. Contribuem significativamente para a economia, geram empregos e desenvolvem os mais diversos setores da sociedade movimentando o dinheiro. Aqui também temos muitas pessoas interessantes e singulares. Possuem alguma expertise. São virtuosas e se destacam pela especialidade e dominância de algum oficio. Exaltam a terra onde nasceram creditando-lhe uma certa magia. Em Salvador também temos pessoas politicamente corretas. São muito educadas. Respeitam a diversidade, incluindo todos como iguais, sem distinção. Zelam pelo estabelecimento de uma sociedade justa, sem discriminação e igualitária.
Aqui temos pessoas bem informadas. Sabem das coisas e têm informações corretas. Em geral produzem conhecimento, circulando ideias. São úteis para a manutenção de um certo padrão social. Há igualmente muitas pessoas do bem. Querem o bem das pessoas. Agem com o coração limpo de mágoas. Dão o melhor de si. São caridosas. Atuam para o bem. Praticam regularmente a caridade. Gostam de doar, doando-se ao próximo. Há também pessoas muito espiritualizadas. Valorizam a espiritualidade, pois a mítica religiosa está na alma das pessoas. São afeitas à religião. Respeitam toda e qualquer manifestação religiosa.
Difícil encontrar uma pessoa com todas estas qualidades, mas também é raro encontrar alguém que não tenha pelo menos uma delas. São estas pessoas que fazem nossa sociedade. Caracterizá-la sem levar em conta a existência de todos estes tipos é diminuí-la.
Porém, certamente, estamos esquecendo de uma importante qualidade a ser adquirida por todos, cuja consequência é a efetiva melhoria de nossa sociedade. Essa qualidade é a habilidade de promover a construção efetiva de uma sociedade melhor. Significa dizer que quem a tem estaria permanentemente com foco na melhoria da sociedade onde conseguem o próprio sucesso e recebem os merecidos dividendos.
Enquadrando-se em um dos tipos, busque acrescentar a nova conquista evolutiva para que seja admitido na importante categoria acima: uma pessoa que age com reciprocidade para com o mundo onde dele retira e dá o seu melhor.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Além da Política

Inegáveis avanços políticos, com reflexos na vida cotidiana, foram promovidos pela Operação Lava Jato. Basta citar a ampla discussão sobre corrupção, mesmo que restrita à perpetrada por políticos. O assunto passou a dominar a maioria das conversas dos brasileiros. Alguns sem uma noção real da questão, considerando-a tão somente no âmbito da política partidária. A continuidade da Lava Jato significa ir adiante com a filosofia norteadora para além da política. Por detrás da Lava Jato está a licitude, a lisura, o respeito ao alheio, o esforço pessoal, o empreendedorismo, o mérito, a educação básica, a autodeterminação, tudo isto dirigido ao cidadão comum e não apenas ao detentor de cargo público.
Sem ser o culpado, mas tendo sua responsabilidade, o cidadão é o principal interessado para aquela continuidade, visto que implica resgate da própria dignidade, garantia da aplicação da justiça e do correto uso dos recursos públicos oriundos dos impostos pagos. Por onde começar? Não se trata de simples decisão de mudar, pois são hábitos antigos que facilitaram a existência da corrupção. Esta cultura vem desde o Império, aumentando com a instalação da República, pois criou-se a figura do indivíduo detentor do poder de decidir sobre o uso de dinheiro público. As regras criadas deixam enormes brechas para corromper, prevaricar e levar vantagens indevidas.
O que se vê no mundo político são conchavos, licitações às cegas, de transparência no uso de recursos públicos, nomeação pelo Executivo de pessoas que deveriam ser responsáveis pela fiscalização dos atos de quem as nomeiam e projetos de hegemonia partidária. O voto obrigatório, mesmo sendo um instrumento democrático, não tem sido suficiente para mudar o que pertence à natureza da sociedade e que se encontra intrínseco no modo de ser do cidadão. Há muito que mudar, mas também muito que preservar. É preciso mudar as instituições que emperram o desenvolvimento e outras que facilitam falcatruas. É preciso manter a força agregadora do povo e a ética das pessoas que desejam um país melhor.
É obvio que a mudança que queremos na sociedade deve começar na escola, sobretudo na educação infantil. É preciso formar novas gerações comprometidas com uma sociedade justa, igualitária e harmônica, sobretudo constituídas de pessoas que se orgulhem de seu próprio caráter. Pessoas que desejam o melhor para si, para o outro e para a sociedade.
Ir além da política, é também penetrar no ambiente doméstico, nos templos religiosos, nos veículos de comunicação e nos seguimentos onde constem formadores de opinião para a constituição de um pacto em que todos se sintam responsáveis pelo problema e, simultaneamente, pelas soluções. Ir além da política é fazer a necessária autocrítica para implicar-se em soluções de autocura e de melhoria pessoal.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Lutar

Ideologias a parte, o ser humano nasceu para lutar. Tem de ser um lutador, sob pena de sucumbir ante os desafios da vida. A ninguém é dado o direito de não lutar. Seria não viver. A luta é diária, constante e sacrificial. Todos devem sacrificar sua própria vitalidade para que sejam vencidos os propósitos do existir. Neste ponto todos se igualam, sem distinção de raça, credo ou classe social. O inimigo a ser vencido, antes projetado em feras imaginárias ou em animais, agora se apresenta sob outros contornos. Pouco adianta pensar que os inimigos são pessoas, governantes ou opositores de suas próprias ideias. Há ainda os que pensam em seres cristalizados em fazer o mal como sendo seu inimigo, atribuindo-lhes um caráter permanente, quase de um deus, de ter o poder de entrar em suas mentes frágeis.
São muitas batalhas de uma só guerra. A verdadeira guerra é a que trava em seu mundo interior pela vontade de vencer, pela necessidade de superar suas deficiências e pela libertação de seus medos arquetípicos. Mesmo que se projetem os inimigos como pessoas que se opõem ou que se colocam como usurpadores de seu direito, estes não são os reais oponentes do ser humano. O inimigo real mora na intimidade da própria mente, requerendo o bom combate. Indivíduos de todas as culturas, do menos capaz ao melhor, todos querem vencer seu inimigo real, a fim de se libertar do medo, da insegurança ou da possibilidade de fracasso.
Em algum momento de sua vida, o ser humano precisa descobrir que seu principal inimigo se encontra nele mesmo. Vai perceber que nem sempre conta com a competência que gostaria de ter. Luta contra o tempo que dimensiona a seu favor, mas não tem certeza se conseguirá nele obter o que deseja. Tem dúvidas sobre si mesmo, pois as variáveis são muitas e os fatores imponderáveis cercam suas possibilidades. Pensa que luta contra alguém, contra o sistema ou que seus opositores estão do lado de fora. No fundo sabe que seu maior inimigo é sua ignorância. Se não a eliminar, continuará equivocadamente culpando alguém. Pensa que luta contra seu patrão ou contra o governo. Evoca o mesmo sistema que critica para lhe proteger, sem perceber que deve construir em sua personalidade o herói que o libertará de sua ignorância quanto a si mesmo e ao viver.
Literalmente dorme e acorda com o inimigo e não se dá conta de sua constante presença. Para superar a simples verdade de que ele próprio é seu obstáculo, atribui a um bode expiatório a causa de seus males. Suas oportunidades são muitas e podem ser criadas quando quiser. Basta que se capacite, que não terceirize culpas e que integre reais habilidades úteis para ultrapassar os obstáculos quando aparecerem. Só quando vencer a si mesmo e aprender como melhor sacrificar a energia de viver que alcançará a verdadeira vitória. Neste momento, todos vencerão.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Humildade e pobreza

Humildade é o reconhecimento de si mesmo, em suas habilidades e fragilidades, com a consideração do valor do outro com quem estabelece relações. Quem é humilde não se coloca em posição de superioridade sobre outro ser humano, nem o utiliza para ascender socialmente. Pobreza é a carência de alimentação, de saúde e de recursos para o atendimento às necessidades básicas de educação, de moradia, vestuário e de informação. Pobreza é também sofrer qualquer tipo de discriminação, preconceito ou intolerância sem qualquer defesa pela própria sociedade.
Pobreza não é humildade, tampouco riqueza significa orgulho ou aquisição irregular de bens. Enquanto a primeira deve ser erradicada na Terra, a segunda, deve ser estimulada quando associada a ética, ao trabalho e à prosperidade de todos. A pobreza é sempre algo que representa a fragilidade de uma sociedade, portanto, é símbolo de falência ou ausência de políticas públicas que atendam ao significado de viver em grupo, garantindo tudo quanto todo ser humano tem direito.
Ainda há muitos pobres, poucos ricos e muitos que ainda não entenderam sua função no mundo, no que diz respeito ao desenvolvimento da sociedade. Quanto mais se dá esmolas para alívio das necessidades imediatas, mais se adia o progresso de uma sociedade. O pobre não quer esmolas ou migalhas, mas condições dignas para que saia da condição em que vive, alcançando, pelo trabalho, a riqueza e a sua dignidade. Dignidade é o inverso da opressão e da submissão ao fraco desempenho como revolta.
A maior riqueza que se possui é a disposição para viver, para trabalhar e para construir uma sociedade melhor, dando, em retorno a ela, sua cota de serviços e valores positivos. Uma sociedade não prospera quando poucos ganham e muitos vivem na miséria. Todos devem trabalhar para que todos prosperem. Sem o trabalho e o esforço pessoal a sociedade estará condenada a viver na pobreza, pela falência da vontade de que haja desenvolvimento.
A pobreza não é apenas um problema econômico, mas psicológico e real. Além do esforço governamental para erradicar os graves problemas da sociedade, cada cidadão deve, pelo trabalho, superar sua condição social, buscando sempre algo melhor. Aqueles que se encontram no grupo dos que já são prósperos devem oferecer sua experiência e seu exemplo para estimular os demais ao mesmo esforço e dedicação que os fizeram alcançar o status em que se encontram. Ser humilde sim; ser pobre não. Riqueza com humildade implica em retorno positivo para a sociedade para que todos aprendam a se tornarem pessoas prósperas.
Esperar pelos governos que proporcionem prosperidade é postergar o próprio desenvolvimento, permanecendo no clientelismo degradante. Sem o trabalho e o esforço pessoal, a sociedade permanecerá entregue às rapinas que sadicamente se locupletam.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Medo arquetípico

Há um medo latente na consciência humana que limita e oprime dificultando que se desenvolva e mude a realidade aversiva em que vive. Medo de sofrer, de ser castigado pelo Deus em que acredita e medo quanto ao próprio futuro, provocam atraso e paralisia em sua vida. Há um entendimento comum de que o medo surge por causa de um agente externo que provocaria dor ou sofrimento. No entanto, tudo decorre de uma cultura massificadora de que se trata de um ente deliberadamente designado para aquela finalidade agressiva.
Há elementos culturais que contribuem para que a mente humana seja cristalizada em dogmas e princípios caducados, cujo fundamento está na crença de que a ignorância é um atributo natural e congênito. Os talentos precoces denunciam que assim não é e que todo indivíduo apresenta um saber natural que vai muito além de seu meio. A promessa de que o ser humano tem direito a um paraíso, desde que obedeça a certas regras, é um desses princípios caducos, pois promove a ideia de um futuro imaginário, desprezando-se o próprio presente.
O ser humano precisa ter assegurado seus direitos e garantias individuais, necessita de segurança pública e de uma boa educação, e, sobretudo, que não lhe imponham qualquer doutrina alheia ao seu desejo de liberdade no pensar. Enquanto isto não ocorre, é obrigado a viver sob contingências opressoras oriundas de extremistas de bandeiras políticas diversas.
Mas, o principal medo, no fundo, é o de viver uma vida sem sentido ou com uma angústia lancinante que atormenta o indivíduo, dificultando sua crença em si mesmo e em sua capacidade de realizar seu próprio destino. Este medo é resultante da ideia retrógrada de que o cidadão deve contar com o governo, com o conforto religioso ou com alguém que magicamente vai lhe resolver os problemas.
Só a coragem de viver, que impulsiona para a criatividade e oferece energias para as realizações que dependem do esforço e do sacrifício exclusivamente pessoal poderá oferecer saídas mais efetivas contra o medo; só a consciência liberta de peias, de doutrinas alienantes, sejam políticas, religiosas ou filosóficas, consciente de que deve se tornar proprietário de si mesmo poderá eliminar seus medos; só a disposição permanente de viver e empreender uma vida saudável, produtiva, baseada no trabalho, poderá eliminar os medos humanos; só a autoconfiança, fundamentada na certeza de que a propriedade de si mesmo depende de uma educação formal e doméstica com dedicação e disciplina retirará o medo do fracasso pessoal.
O medo arquetípico é inconsciente, com reflexos na vida comum, exigindo que o ser humano busque sua autonomia, à revelia dos que pregam seu engajamento cego e absurdamente alienante em movimentos coletivos. É preciso que o ser humano realize seu voo, livre de dogmas e de doutrinas cegas.

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Nordestino

O nordestino é a representação da brasilidade e da resiliência de um povo. Foi no Nordeste, mais especificamente, na Bahia, que o Brasil começou a formação de sua cultura. Na miscigenação do europeu português com o índio da terra do pau-brasil é que surgiram os primeiros indivíduos que, ao receberem o DNA do negro africano, formariam o brasileiro de hoje. Graças a esta mistura ímpar, somos diferenciados no mundo, apresentando-nos com características faciais e culturais diversificadas.
É o nordestino remanescente dos primeiros cafuzos, mamelucos e mulatos que aqui nasceram, demonstrando que não há raça pura nem soberania pela cor da pele. Posteriormente, a imigração de outros europeus, o brasileiro foi cada vez mais se misturando sem que houvesse qualquer possibilidade de definir-se um padrão físico e genético que o caracterizasse. Somos então a melhor representação do cidadão do mundo, cujo corpo físico não representa uma identidade nem sua pele é motivo de separação e rejeição ao outro.
Dizer-se brasileiro é ter nascido em seu território, não sendo, portanto, privilégio do nordestino ou de qualquer indivíduo de outra região deste imenso país. A miscigenação se espalhou por todo território brasileiro, não cabendo a ninguém se declarar mais ou menos brasileiro nem tampouco excluir ou discriminar outra pessoa.
Deveríamos abolir a necessidade de declarar uma etnia, visto que somos todos, indistintamente, seres humanos, pessoas e filhos da Terra. Por enquanto, temos fronteiras, vivemos em países, submetemo-nos a governos díspares e não nos respeitamos em nossas diferenças. Tudo isto teria menor impacto, ou desapareceria dando lugar a uma sociedade justa e igualitária se a solidariedade não fosse uma retórica religiosa, política e de ocasião.
O nordestino não precisa de esmolas nem de defensores que oferecem sua misericórdia cristã para se vangloriarem como heróis falando em seu nome. O nordestino necessita, como todo ser humano, de respeito, atenção do Estado, e menos de governos ou políticos, para seus graves e antigos problemas, sobretudo nas áreas de educação, saúde e emprego.
Orgulhar-se de nascer em um país deve significar pertencer a um grupo de indivíduos eticamente saudáveis, sobretudo que se encantem com o exemplo que oferecem ao mundo em todos os campos em que se mede o desenvolvimento humano.
Enquanto este orgulho se basear em um nacionalismo ufanista, em vitórias televisivas para vender produtos de consumo imediato e em exposições midiáticas de poucos e esforçados heróis brasileiros que se destacam em modalidades esportivas estaremos negligenciando a formação do caráter de seu povo.
Exaltemos o nordestino, porém não deixemos de lhes reconhecer a dignidade e de terem os direitos que lhes são subtraídos em nome de uma política velhaca e ultrapassada.

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Pensamento crítico

O pensamento crítico é patrimônio desejável a qualquer pessoa madura e consciente de sua própria evolução. A imaturidade é mãe de inúmeras faltas, sobretudo a de discernimento quanto a própria limitação para julgamentos sólidos e precisos. Sem a crítica a si mesmo e às próprias ideias, por mais consistentes e bem fundamentadas que sejam, a mediocridade é caminho comum. É precisamente a cegueira na rigidez das ideias que revela a ausência do pensamento crítico, exercício filosófico necessário para o surgimento de pessoas capazes de mudar, para melhor, o mundo.
A ausência da crítica a si mesmo, revela o alto grau de alienação da pessoa quanto à ética, à renovação de ideias e à receptividade que deve pautar o diálogo com o outro. Arejar ideias é necessário ao progresso, bem como à manutenção da criatividade para a superação do atraso e da ignorância que caracteriza toda e qualquer polarização psicológica. Quem a si não crítica torna-se tirano e, ao mesmo tempo, escravo de suas próprias ideias.
A dificuldade em aceitar a crítica externa e da autocrítica, esconde o medo do enfrentamento da realidade, a ignorância sobre si mesmo e a possível perda de poder que presume ter sobre o outro, graças à boa e enganosa imagem que equivocadamente cultiva. Sem a crítica sobre os próprios pensamentos o ser humano se torna arbitrário, déspota e feitor das ideias dos outros. Trata-se de ato de humildade e de reconhecimento do direito de poder errar.
Melhor avaliar os fundamentos das ideias do que se contentar com resultados imediatos que obtém com as próprias. Quando as ideias são postas para agradar ou obter resultados que garantam a manutenção de uma boa imagem de si mesmo, falecem os objetivos para as quais foram geradas, sobretudo para fundamentar o crescimento pessoal de quem as emite e de quem as recebe.
O senso crítico é garantia de não sucumbir à ideia coletiva e de não se deixar dominar por algo que não foi muito bem elaborado, portanto, possivelmente contaminado por emoções nem sempre alinhadas com a harmonia e com o pensamento intelectual racionalmente construído. É na crítica a si mesmo que se produz o contraditório capaz de fomentar o surgimento de outras tantas ideias, fugindo da polarização do certo contra o errado que exclui outras vias de entendimento da realidade.
Uma pessoa com razoável senso crítico ao que produz, alcança a humildade e a grandeza de saber ouvir os outros, legitimando seu direito em emitir opiniões e de participar de uma convivência saudável. De um lado, qualquer tentativa de querer calar alguém ou, do outro, de tentar impor a própria fala, por mais ética e acertada que seja considerada, equivalem-se, pois decretam a falência da fraternidade e do respeito às diferenças. A autocrítica é atitude dos que acordaram para a construção de uma personalidade ótima.

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Silêncio

Todo ser humano deseja falar, expressar o que se passa em sua Consciência, exteriorizando seu mundo íntimo para alívio da tensão gerada em sua mente. Em geral, emoções, pensamentos e ideias se misturam numa fantástica alquimia que transforma a mente em um grande palco onde gritos e sussurros aparecem simultaneamente. São falas e imagens que desejam expressão para que haja pacificação interior. Não falar é adoecer a alma. Melhor seria harmonizar o próprio mundo interior, para que a expressão possa ser equilibrada e venha a sair sem a imperativa pressão que dificulta as relações humanas.
É necessário saber fazer silêncio em um mundo conturbado, cheio de ruídos oriundos de todos os lados. Mas, mais importante do que o silêncio externo, é o interno, alcançado pela capacidade de harmonizar emoções, pensamentos e ideias que fervilham em sua mente. O silêncio da alma é fundamental para um bom equilíbrio psíquico e para uma vida saudável. Fazer silêncio interior é ter a habilidade de lidar bem com o que se passa em sua mente sem julgamentos, discriminações ou receio de pensar a respeito.
Há o hábito de querer afastar pensamentos negativos como se se tratassem de males externos que podem desequilibrar a pessoa. Livrar-se do mal, aprendendo a entender sua origem e a impor-se ante o significado atribuído pela própria pessoa, não é o mesmo que, a qualquer custo, extraí-lo da própria consciência. Não temer o mal significa desmistificar seu significado, considerando-o simples contraditório interno que carece de compreensão. Não há mal externo, mas tão somente um julgamento interno promovido pelas crenças e valores pessoais.
Silenciar a alma é refletir sobre cada emoção, pensamento e ideia antes de querer sumariamente expressá-las ou de querer eliminar o que carece de acolhimento, compreensão e direcionamento adequado. Fazer silêncio interior é uma arte difícil, pois o hábito de se deixar influenciar pela tendência coletiva, aderindo ao que pretende a massa ou grupo de pessoas, é muito intenso e comum, fazendo com que a expressão natural da fala se transforme em um grito inconsequente.
Silenciar, ante situações de conflito, requer calar o impulso de dizer o que quer desmesuradamente explodir. É preciso calar momentaneamente a mente, para alinhar os pensamentos e formular ideias mais coerentes e adequadas. Muitos gritam, poucos sabem silenciar suas dores, suas revoltas e suas angústias, optando impulsivamente por projetá-las externamente em alguém ou em um alvo coletivamente execrado.
O silêncio da própria mente pode ser alcançado quando o ser humano começar a entender que ele não é o vilão da vida, que seu semelhante não é a causa de seus infortúnios e que o mal é tão somente um julgamento interno, de cunho moral, inadequado a ser ressignificado e não tornado ato. Silencie para que haja harmonização interior.

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Escolhas

Escolher é ato soberano de uma pessoa. Na hora de escolher, toda a subjetividade é considerada para que se determine a primazia de uma opção entre muitas. Considerações arbitrárias, desejos reprimidos, influências ocultas, medos e anseios participam do processo de escolha, direcionando a decisão a ser tomada. Por fim, toma-se a decisão nem sempre com a certeza de ter feito a melhor escolha. Opta-se pelo que é considerado certo, ou mesmo, pelo que se sabe errado, mas que é tido como adequado. Escolher é utilizar o instinto, a inteligência e o sentimento para o alcance do que proporcione melhor bem-estar. Porém, nem sempre estas instâncias estão devidamente alinhadas internamente. Muitos, com dificuldade de definir com precisão o que querem, optam por escolher influenciados por fatores alheios ao seu verdadeiro querer. Seguem os outros ou, mais especificamente, a alguém a quem admiram.
Compreensível a indecisão quando as opções se assemelhem ou se pareçam adequadas a partir de alguns parâmetros apressadamente erigidos. Muitas vezes, nestes casos, abdica-se da autoria consciente da escolha, entregando-a a terceiros, cuja causa se encontra na falta de amadurecimento para efetivar sua real predileção. Alguns se escondem no coletivo para escamotear sua opção, por não querer serem julgados ou criticados por uma escolha considerada discrepante ou absurda. Uma pessoa é autônoma, madura e adulta quando é capaz de justificar sua escolha e assumir as consequências advindas.
Escolher é uma arte pessoal que tem implicações relacionadas às pessoas com quem convivemos, principalmente quando se opta por algo que vai impactar as decisões dos outros. A responsabilidade é maior. Quando se tem apenas duas opções, o problema é também grande, pois abandona-se a pluralidade de possibilidades, o que poderia contemplar o atendimento a anseios mais específicos. A polarização maniqueísta de um ou outro, do certo ou do errado, do bem ou do mal, ou de qualquer outro julgamento que se faça, limita, pois excluem-se opções que atenderiam requisitos especiais de cada um. Quando se tem que escolher entre duas opções, obriga-se a aceitar tudo de ruim que apresentam.
Quando o jogo da vida nos obriga a escolher apenas entre duas opções, sinaliza para a falta de criatividade e de construir outros modelos que permitam o atendimento de opções que nos tranquilizem o mundo íntimo. Não basta escolher uma opção que momentaneamente resolva externamente nossas necessidades, pois, com o tempo, costuma ser relegada ao abandono. O ser humano sempre estará em busca de algo mais profundo e mais singular, que lhe produza o sentimento de autorrealização, razão pela qual estará insatisfeito e inquieto. Mesmo querendo mais do que duas opções, observe se uma terceira, ou outras mais, não se assemelham. Além da quantidade, a qualidade será sempre desejada.

quarta-feira, 6 de março de 2019

Cinzas

A quarta-feira de cinzas, no repertório católico, tradicionalmente é o dia dedicado ao arrependimento perante Deus. É um símbolo para que o cristão se lembre da fragilidade da própria vida e reflita sobre mudanças que deve fazer. Trata-se de uma tomada de consciência para que recomece uma nova forma de ser e de viver. No cenário político estamos precisando de uma fase como a quarta-feira de cinzas, para que o país mude sua forma de governança, de cuidar da coisa pública, dos seus cidadãos e de sua credibilidade internacional.

Assistimos a uma avalanche enorme de corrupção grassar em todo os níveis de poder, principalmente nas empresas sob o controle do governo. Cargos importantes se convertem, por causa do volume de recursos que controlam, em moeda de troca com grupos políticos, inclusive com alguns que deveriam fazer oposição. Este sistema antigo, muito embora absurdamente atual, em que se vive o legítimo estado de direito, deveria estar vivendo uma fase como a da quarta-feira de cinzas, em que mudasse para uma nova forma.

Ainda há uma velha democracia, construída pelos donos dos cargos públicos e uma nova democracia a ser construída por aqueles que deveriam ser os reais representantes do povo. Aqueles “donos” movimentam fortunas, manipulam pessoas e interesses, a serviço de ideologias ultrapassadas, do poder e do dinheiro. Estão com seus dias contados, em plena fase de cinzas, desde que o cidadão se imponha aos velhos métodos. Quando é que o cidadão vai acordar para mudar esta velha democracia, perversa e contraditória, em que caciques do poder econômico dominam os destinos de milhões, pousando como heróis em seus carros de luxo, com contas bancárias repletas de dólares no exterior? Será preciso mudar a mentalidade reinante do ganho fácil, da vantagem imediata, do carnaval sem limites e da quarta-feira de cinzas que não chega. O problema está na filosofia pregada nas escolas e nos lares: o imediatismo de uma consciência que não amadureceu para o exercício da cidadania.

terça-feira, 5 de março de 2019

Carnaval

O carnaval é uma grande festa popular. Atrai muita gente, movimenta a economia e dinamiza a indústria turística e hoteleira da cidade. As ruas ficam mais coloridas. parecendo grandes passarelas onde transitam atrações diversas que animam aqueles que se colocam como expectadores. Blocos, trios e demais grupos organizados de foliões e animadores se espremem nas ruas para atender aos apelos dos sentidos.

As manifestações que são vistas no carnaval apresentam uma grande diversidade de tipos humanos, com características que nem sempre são convencionais ou que estejam dentro da conformidade social comum. O que se encontrava reprimido, enclausurado pelas convenções e limites socialmente definidos, ali consegue um grande campo de representação e de expressão livre. O resultado é um mosaico de beleza singular e de estética agradável.

Não é raro encontrar-se indivíduos que, destoando do senso comum, dispam-se de suas indumentárias cotidianas e se apresentem com características bizarras, esquisitas e, às vezes, exuberantemente vestidos, num espetáculo multicolorido e grandioso.

Também é uma festa em que a livre manifestação é regra e em que o público de fato se torna propriedade de todos. Misturam-se pobres e ricos, nativos e estrangeiros, em uma multiculturalidade que irmana e iguala todos os seres humanos. É neste contexto que se percebe o avanço da percepção de que o gênero não define a pessoa, nem muito menos qualquer outro adereço exterior.

Mesmo assim, pelos excessos e por algumas manifestações que extrapolam o controle da consciência, trazendo prejuízos e danos psíquicos diversos, o indivíduo deve ficar atento ao seu anseio de se libertar das contingências sociais, éticas e orgânicas evitando a exacerbação desenfreada dos próprios sentidos. Paramuitos parece que vale tudo, sem qualquer censura nem respeito ao outro. Também é importante considerar que, à semelhança do circo romano, que entretinha o povo enquanto o governo espoliava com impostos, o carnaval, ainda que sem a direta manipulação dos governantes, mas operado pelo autoengano da explosão momentânea de alegria, muitas vezes incontrolável, trata-se de algo que necessita ser melhor vivido.

Bonito, exagerado ou não, trata-se de manifestação popular legítima que atesta o grau de repressão em que se encontra o ser humano. As opções convencionais de manifestação disponíveis ao ser humano na vida comum não têm sido suficientes para representarem a riqueza que se encontra em seu mundo interior. Tampouco a moral social e os costumes ditados pelos cânones religiosos têm sido respeitados ou estabelecido limites para que a natureza humana se revele com toda a sua riqueza, beleza e diversidade. A realeza da alma está em ser natural, divina e simultaneamente humana em qualquer lugar.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Estrelas e carnaval

Sirius é a estrela mais brilhante que pode ser vista a olho nu no céu noturno da Terra. Por alguma razão, ela existe varando a imensa escuridão do Universo. O brilho de Sirius se impõe sem pedir licença, demonstrando que algo impôs sua presença ante a escuridão reinante. Quando algo predomina na Natureza, eis que surge outro elemento com sua singularidade para diversificar, expressar criatividade e eliminar toda e qualquer hegemonia. Sirius não está sozinha nem a escuridão predomina sobre a luz e sobre o brilho de uma simples estrela.

O carnaval é, ao menos em Salvador, a grande festa popular que se impõe sobre qualquer tentativa de calar a alegria inata no ser humano. No interior do psiquismo há um impulso natural para o sagrado, razão pela qual as religiões surgiram. As tentativas de sufocar as tendências instintivas humanas não foram suficientes, pois, ao lado daquele impulso natural, eis que surge um outro, desta feita para a alegria, impondo sua singularidade.

As manifestações de alegria, de vida e de desejo de superação de toda opressão à liberdade humana de ser e de existir, presente no carnaval, são atestados de que o mesmo fenômeno que colocou Sirius para se impor ante a escuridão, cuidadosamente fez instalar a alegria no interior da alma humana, para que nada nem ninguém pudesse anular a energia da vida que deseja se expressar.

As manifestações do sagrado, bem como as do carnaval não se opõem, pois ambas nascem da mesma alma que deseja se expressar e são oriundas do mesmo fenômeno que a criou. Como a energia que gera o brilho das estrelas carece de ser adequadamente conhecida e utilizada, da mesma forma, a alegria que contagia os foliões carece da devida educação para que beneficie seu portador.

O brilho das estrelas é inerente à sua essência, não podendo ser anulado. Da mesma forma, a alegria humana é de sua íntima natureza, não podendo ser reprimida. Deixemos brilhar a alegria sem que nos cegue a razão, principalmente tendo cuidado com o direito do outro.

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

O Século XXI

Trata-se da observação cuidadosa de que estamos diante de circunstâncias novas e completamente inusitadas para a realidade e a vida do ser humano. Há aqueles que vivem à moda antiga. Apenas ambicionam ser e realizar o sonho coletivo, imitando tão somente os que alcançaram sucesso. Nascem, crescem, frequentam a escola, namoram, casam, trabalham, empregam-se, empreendem um negócio, divertem-se, enriquecem e morrem. Estes vivem à moda ultrapassada. Fazem parte da maioria dos que ainda se encontram no Século XX, sem noção de que estão vivendo o passado. Eles não entendem que tudo mudou, inclusive a própria mentalidade, bem como suas inquietações são outras. Teimam em afastar ideias de que vale a pena fazer tudo diferente.

São mudanças visíveis que se manifestam em diferentes setores da sociedade com impacto profundo no sentido do viver. As ambições comuns da vida moderna, que caracterizaram o pós-guerra e se mantiveram até o final do Século XX estão sendo substituídas pelo desejo maior de ser feliz, realizar-se e em entender o sentido e significado da vida. Tudo isto se deve a tendências que estão influenciando a mentalidade coletiva neste século, a exemplo das ideias que configuram o surgimento da Transumanidade como um novo Reino da Natureza. Está havendo a ascensão e maior valorização do feminino, que levará a sua supremacia como tendência que atinge todos os campos da vida humana que, cada vez mais convive com uma subjetividade e fluidez nunca vistas nas relações amorosas.

A Consciência tem se ampliado em face do acesso instantâneo a informações antes pertencentes ao Inconsciente e, agora disponíveis pela internet onipresente. Tal condição promove o nivelamento das pessoas, que se igualam não mais pelos cursos e formações acadêmicas adquiridas nas salas de aulas, mas pelo que acessam nas nuvens de seus provedores virtuais. Neste campo, as Redes Sociais se tornaram a realidade onde as relações humanas e a comunicação entre os indivíduos acontecem com maior frequência e intensidade do que a presencial. A Realidade Virtual está tomando o lugar da outra, que passa a ter menor importância.

A Transgeneridade como tendência coletiva que permite a manifestação das inúmeras identidades do ser humano, que tende a deixar a rigidez binária, adotando sua natureza essencial como representação legítima de si mesmo, denuncia mudanças significativas que não podem ser desprezadas. Em paralelo, ocorre o deslocamento do eixo que situava o sexo como o ponto central da discussão a respeito da identidade de uma pessoa, colocando o direito do humano em ser simplesmente ele mesmo como um valor inalienável. De fato, o ser humano assiste uma nova sociedade surgir. Para alguns, que optam em desqualificá-la, baseados em preceitos morais, resta assistir a vida passar, permanecendo a espera de algo mágico que os salve de sua própria ingenuidade.