sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Pobreza

A maior pobreza de nossa sociedade não é a material, mesmo considerando que ela é grande e perversa. Há uma outra que se constitui de forma sutil, presente em todas as classes sociais, gêneros e idades e que corrói a vida humana. Ela é negligenciada pela grande maioria das pessoas, cujos horizontes não passam de poucas conquistas materiais, midiáticas e de poder sobre os outros. Trata-se da falta de sentido para a própria vida, em que os objetivos se tornam imediatistas, pequenos e, muitas vezes, egocêntricos. Tal ausência ou, no mínimo, limitação da perspectiva do próprio viver, empobrece o indivíduo e, por consequência, toda a sociedade.

Essa pobreza não se resolve apenas com dinheiro, nem com propostas políticas de curto prazo. Não são líderes políticos, com ideias salvacionistas e populistas que irão enriquecer o ser humano, cidadão de uma sociedade doente em sua filosofia existencial. Sim, há sociedades, inclusive do chamado primeiro mundo, mesmo ricas, com excelentes condições de educação, saúde e de segurança, que são doentes, pois os horizontes de seus cidadãos são pobres, quando não são também egoístas. Ainda não entenderam que só há uma sociedade no planeta Terra: a dos seres humanos. Enquanto ainda existir pessoas no mundo morrendo de fome, sem acesso a educação, sem direito a viver em sua pátria e sem liberdade todos seremos pobres.

Quando o sentido da vida for o bem-estar pessoal e coletivo, com horizontes que vão além de atual geração, com a preservação da vida, com a defesa dos recursos naturais e com respeito ao direito individual teremos uma sociedade melhor e mais próspera. Que adianta ganhar, usufruir e ter prestígio quando falta sentido e significado para sua vida? Será que a satisfação de uma pessoa é suficiente para realizá-la? Provavelmente não, pois ninguém evolui sozinho nem se realiza sem amor.

Falta-nos uma filosofia existencial que contemple mais do que a autossatisfação e que perceba a Humanidade como uma só família. O sentido da vida é para a pessoa como uma espécie de bússola é para o navegador. Sem ela o barco fica à deriva, portanto, levando o indivíduo a viver o momento, a lidar com circunstâncias imprevisíveis e a tratar a vida como algo em que as razões de sua existência são meramente sociais e inconscientes. Sem o sentido da vida o destino se torna um acontecimento do domínio do acaso. A oferta religiosa, nem sempre convincente, também não alcançou êxito na definição clara para o sentido da vida. A filosofia da consciência coletiva é frágil, enganosa e inconsistente. Nada garante que o atual estágio em que se encontra o ser humano quanto ao sentido que dá à própria vida não é a causa indireta, porém não menos importante, da maioria de seus muitos males. Imaginemos uma sociedade em que todos aplicam como sentido de suas vidas a prosperidade pessoal e coletiva, numa sociedade igualitária, justa e harmônica. Falta-nos amadurecimento.

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Patrimônio

Ao longo de sua vida, o ser humano constrói um patrimônio para lhe proporcionar a sensação de segurança e de pertencimento. Logo cedo, na maioria das vezes antes de nascer, ganha um nome que lhe assegura o patrimônio da identidade; e, com o tempo, percebe e reafirma sua filiação para que se insira e tenha o patrimônio de um grupo familiar. Por muito tempo vai amealhando e ambicionando cada vez mais patrimônios, principalmente o da saúde física, cujo declínio inevitavelmente o levará, um dia, ao decesso orgânico. Acumular bens materiais é parte importante de sua saga inexorável de viver para alcançar um significado existencial. Porém há bens de outra natureza que devem e precisam ser integrados à sua personalidade, cujo ganho lhe trará enormes benefícios.

São muitos os patrimônios que fazem parte da vida humana. Há o patrimônio público, que todos devem zelar, o patrimônio artístico e cultural, de considerável valor para a sociedade, o patrimônio intelectual, muito útil para a vida laboral, e o patrimônio familiar, de importância significativa para a vida afetiva e o equilíbrio social. Há também o patrimônio supervalorizado da propriedade privada, cuja desproporção é motivo de preconceitos, inveja, injustiças e de atraso na ordem social. A propriedade privada é uma das garantias legais que o ser humano possui, pois se confunde com a integridade de sua pessoa. Todos querem um teto que lhe assegure a vida, mas os exageros, muito embora legais, promovem o surgimento dos complexos psicológicos humanos, principalmente o de inferioridade.

Alguns patrimônios podem ser alienados, porém há um que não poderá ser vendido pela qualidade e pela total impregnação ao seu portador, pois se torna parte integrante de seu ser. Trata-se do patrimônio ético, também conhecido como moral, que é inalienável e acompanha o indivíduo para sempre. O patrimônio ético de uma pessoa se constitui de suas tendências da personalidade, que não devem ser confundidas com seu caráter. Não se trata do que ele aprendeu intelectualmente ou pelos exemplos familiares, mas o que se tornou sua tendência comportamental, que se manifesta nos amplos atos de sua vida. Não são tão somente seus valores, pois estes podem ser racionalmente conhecidos e admirados, mas que não são suficientes para modificar instantaneamente suas tendências. Nas tendências da personalidade, os valores já foram integrados à essência do próprio indivíduo, direcionando soberanamente seu comportamento.

Grandes patrimônios não são apenas os que se compram na vida, mas aqueles que se apresentam como disposição permanente para trabalhar, como a conquista constante da alegria interior e como a plena confiança na realização proveitosa do próprio destino. Muito importante é o patrimônio da consciência em harmonia, sem os mecanismos de defesa que criam enganosas alternativas favoráveis ao pensar e no sentir. O patrimônio ético ao lado de uma consciência em paz são os maiores patrimônios que se deve construir.

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Paraíso

Quem não sonha com um mundo melhor, no qual a sociedade se constitui de pessoas maduras, autônomas e felizes? Utopia? Talvez. Existiu ou há alguma que possa ser reconhecida como tal? Desconheço. Alguns, mais esperançosos, acreditam que vai existir e que caminhamos para alcançá-la; outros, pensam que essa sociedade existe para além desta vida. O fato é que um mundo melhor se encontra na mente humana como representação de um paraíso prometido em contraposição a uma vida dura e sacrificial. Não existe paraíso em lugar algum sem um preço; este é um preço muito alto, pois exige, sacrifício, suor e renúncia ao que o próprio paraíso representa: prazer sem esforço.

A mentalidade coletiva que não se esforça, que não se interessa pelos estudos, que pretende a acomodação de um salário garantido sem esforço contínuo, que trabalha por obrigação e que não relaciona sua atividade laboral com o benefício que ela necessariamente deve proporcionar à sociedade ainda espera por um paraíso sem sentido. Sucumbir à mentalidade coletiva é o mesmo que abdicar de si mesmo, alienando-se quanto ao próprio sentido de existir e ao significado de viver em sociedade. A vida só tem sentido quando vivida em compartilhamento com afetos e em harmonia com a sociedade.

Resta refletir em como mudar a mentalidade coletiva e promover mudanças nas atitudes do grosso da população. Para isto é preciso maciço investimento em educação e em geração de empregos. Implementar ações que inibam qualquer possibilidade de se encontrar, fora do horário escolar (07:00 às 17:00 hs) uma criança sem os pais e na rua. A educação deve ser em tempo integral até o ensino médio e obrigatória para a obtenção de benefícios legais, na esfera municipal, estadual e federal.

Em paralelo, no campo empresarial, há que haver estabilidade política para que haja confiança do cidadão em investir seu dinheiro em atividade produtiva, além da desoneração de produtos e serviços que são excessivamente sobretaxados. Neste campo, o Estado deve ceder espaço à iniciativa privada, reduzindo gradativamente sue tamanho e sua intervenção na atividade econômica. Muito óbvio que estas medidas, pela complexidade das mudanças e do grande número de mandatários envolvidos, requerem maturidade política e consciência cidadã; ainda estamos longe de eleger indivíduos com requisitos que promovam tais mudanças.

Por estes motivos, a sociedade fica sujeita a políticos com discursos salvacionistas, populistas e fundamentalistas. São eles que favorecem o surgimento de formadores de falsos paraísos que engambelam os incautos e desavisados eleitores. Bom seria que a Opinião Pública, que tão bem critica a classe política, formasse um comitê de alto nível para oferecer propostas consistentes, mesmo que de longo prazo, para acordar a consciência coletiva do cidadão para que saia do paraíso fictício que almeja.

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Calcanhar de Aquiles

Aquiles foi o principal herói da guerra de Tróia, tragédia grega ocorrida por volta do ano 1300 antes de Cristo. Sua mãe, então amante de Zeus, desejando que o filho se tornasse imortal, o banhou no rio Estige, segurando-o pelo calcanhar, razão pela qual este era o ponto em que apresentava vulnerabilidade. Foi justamente atingindo seu calcanhar que uma flecha envenenada lhe tirou a vida. 

O mito de Aquiles reflete a condição de toda criatura humana, que deixa lacunas em seus processos existenciais, por não considerar suas imperfeições e limitações presentes na personalidade.
Diz-se que todos temos um “calcanhar de Aquiles”, isto é, um ponto em que somos frágeis, geralmente oculto, exigindo a descoberta de qual é e de como pode nos desestabilizar. Porém, extrapolando o mito, questiono qual o “calcanhar de Aquiles” de um país? Qual o fator a ser desenvolvido, cuja solução levaria aquele país a se tornar mais desenvolvido? Em se tratando do Brasil, creio que existem muito mais do que dois calcanhares. São muitos os problemas e, portanto, muitas as ações para que o desenvolvimento venha a acontecer.

Especificamente falando-se da operação Lava Jato, que está passando a limpo nosso país, lavando a lama da corrupção, onde se encontra a fragilidade que a ameaça sucumbir? Uns dizem que é na falta de recursos para manter o aparelhamento policial que investiga, outros dizem que está na redução do poder do Ministério Público ou em alguma manobra política que impeça sua continuidade. Muito embora a operação apenas estanque os sintomas, o que já é algo muito relevante, não vai às reais causas. Estas causas são os calcanhares de Aquiles que devem ser eliminados.

Todos sabemos que há um calcanhar central que, por falta de vontade política e de bases culturais na matriz social, não é efetivamente trabalhado. Refiro-me a Educação, em cujo seio se encontra o calcanhar central do problema brasileiro. Enquanto não investirmos em Educação precisaremos indefinidamente de muitas operações Lava Jato.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Pacto

Toda sociedade necessita de alguns pactos para garantir a boa aplicação de suas políticas públicas. Não basta eleger-se alguém e outorgar a um partido a aplicação de uma ideologia política e econômica para que se obtenha êxito na administração pública e no desenvolvimento de uma sociedade. Depois das eleições, graças a uma certa passividade dos eleitores, pouco se cobra dos eleitos, como também, muito menos, vê-se a efetiva participação do cidadão e das entidades civis na colaboração com a nova administração. Na prática, temos de um lado, a população que sofre e espera soluções, porém sem participação direta nas ações e, do outro, o governo que tenta resolver e mostrar com maciça propaganda para que foi eleito.

A filosofia do “eu pago os impostos e quero ver os resultados” é seguida à risca, sem que o cidadão, as associações e as entidades de que faz parte, participem da execução direta do que foi definido como plano de governo. Simplesmente lavam as mãos, reclamando do não feito. Não se trata da defesa pura e simples dos governos, nem tampouco incriminar o cidadão, mas de tentar inserir, além das cobranças que devem fazer, sua atitude naquilo que é de seu interesse. A cidade é do cidadão, que cede parte de suas responsabilidades ao poder público, não se eximindo de suas obrigações nem se permitindo tornar-se expectador passivo da degradação de sua morada.

Os participantes deste pacto devem sentar à mesa, num mesmo fórum e, setorialmente, em câmaras específicas para o detalhamento das ações e competências de cada um. São atores do pacto: entidades de classe, associações de bairros, líderes religiosos, sindicatos, OAB, representantes do Terceiro Setor, Câmara Municipal, Poder Executivo Municipal/Estadual/Federal, Poder Judiciário, Ministério Público, Órgãos de imprensa falada/escrita/televisada, representantes do comércio e da Polícia Militar. Para coordenar e acompanhar este grupo, com a participação e parceria do Poder Executivo, nada melhor e mais ativo do que o Ministério Público.

domingo, 25 de novembro de 2018

Orgulho

Eu tenho orgulho. Sim, eu sou orgulhoso. Meu orgulho é um pouco diferente, mas não deixa de incomodar. Muito embora valorize minhas origens humildes por ter migrado do interior para cidade grande, conquistado tudo que uma sociedade organizada oferece, ainda não é por esta razão que sou orgulhoso. Sim, sair da obscuridade para a claridade do saber civilizatório enche qualquer um de orgulho, mas não o suficiente.

Muito embora me orgulhe de ser baiano, de admirar a cultura, a negritude de seu povo, a magia de sua arte e a própria baianidade, não é por esta razão que sou orgulhoso. São muito os exemplos de baianos ilustres, talentosos e competentes que me orgulham, e de forma alguma não me considero um deles. Considero meus artistas preferidos, dois ilustres baianos que nos enchem de musicalidade e poesia com suas excelentes produções artísticas.

Muito embora seja orgulhoso por ser brasileiro, não só pelas belezas do país, pelo potencial de suas riquezas naturais, mas principalmente pela resiliência de seu povo, não são estes os motivos. Enche-me de orgulho pertencer a um povo originário da mistura de diferentes etnias, forjando um DNA miscigenado por diferentes culturas. Porém não é somente por esta razão que meu orgulho se formou. Teria motivos para diminuir meu orgulho, em face da grande quantidade de líderes corruptos desmascarados recentemente.

Muito embora seja orgulhoso por ser latino e viver envolvido pela mística de uma língua de origem romana, cheia de particularidades relacionadas às emoções, portanto, ao coração, ainda não é por esta razão que o meu orgulho merece destaque. Viver na faixa tropical, navegando pela linha do equador, me enche de orgulho pelo clima, pela diversidade cultural e por tudo que suporta o povo latino.

Porém, de fato, sou orgulhoso principalmente pelo que se passa em minha consciência, algo inacessível, mas que contém o que de melhor pode se querer para um ser humano, mesmo que eu ainda não tenha alcançado. Meu orgulho é pelos meus sonhos a respeito de um mundo melhor. Nele há algo que não é dito por não haver palavras que traduzam a qualidade de suas imagens. Elas motivam uma disposição permanente para fazer o melhor pelo bem-estar pessoal e coletivo. Elas sinalizam para a necessidade de agir com a ausência de corrupção, do desejo de prejudicar ou retirar algo do outro. Nelas não há lugar para bairrismo, nacionalismo, pátria ou bandeira, salvo a da paz e do amor que a todos une. Meu orgulho é pela ausência total, em mim mesmo, de guerra, violência ou agressão ao outro. Orgulho-me da presença permanente do amor, da paz, da educação e da liberdade. Sei que não estou sozinho, pois muitas pessoas aparecem em meus sonhos que ficam gravados na consciência. De fato, sou muito orgulhoso.

sábado, 24 de novembro de 2018

O povo e a política

Política é a arte do imponderável, pois lida-se com surpresas a todo momento, com transformações sociais contínuas e com forças que atuam consistentemente para que haja alternância de poder. Não se pode pensar em comando político sem oposição, mesmo que o regime seja a ditadura. Quem está no poder não pense que está seguro ou que vai se perpetuar. Não se pode calar forças contrárias, pois se trata de um movimento natural da vida. Todo movimento gera e luta contra o seu contrário. Os políticos devem ser avisados que, naturalmente, fomentam reações contrárias para que mudanças ocorram. No Universo, o movimento é soberano e a mudança é regra.

No momento político em que vivemos, é notória a mudança de paradigma, por força das reações contrárias que foram tecidas por longos movimentos de resistência e pelo esgotamento da tolerância a corrupção. Mesmo que ainda continuem atos de corrupção ativa e passiva, o sistema está mudando, ainda que lentamente. Não basta a Lava Jato nem que se prendam políticos e empresários mal-acostumados com uma forma delituosa de atuar na sociedade, pois é preciso ir mais a fundo, nas escolas, nas organizações não governamentais e, sobretudo, na família.

A corrupção não é privilégio do brasileiro, pois se situa na psiquê humana, por força da vontade de alcançar, de forma mágica e imediata, o melhor para si. Ninguém nasce intencionalmente bom nem mal, pois pesa sobre as estruturas que compõem seu psiquismo, milênios de experiências bem e mal sucedidas da Humanidade que fazem parte do DNA de seu corpo. A sociedade, com a educação, com o surgimento de novos valores e com a consolidação de estatutos éticos, burila o ser humano. Por este motivo, o investimento maciço em educação é fundamental para que se erradique a corrupção e muitos ouros males do caráter humano.

A responsabilidade em alimentar aquela mudança é de todos, mesmo que de forma retórica, reduzida e limitada. Não se pode transigir em relação aos pequenos deslizes do cotidiano, a fim de que o exemplo seja seguido. O fortalecimento de instituições dedicadas ao controle e ao acompanhamento da gestão pública é fundamental, inclusive com a fiscalizações daqueles que dirigem os órgãos responsáveis pela coisa pública.

É preciso um chamamento público para que a sociedade socorra a sociedade e para o cidadão assumir aquele controle, nos seus bairros, distritos e associações setoriais. O cidadão deve entender que ele deve rever sua representatividade nos políticos. Sua delegação não esta sendo acompanhada, pois elegeu e não cobra nem fiscaliza, muito menos age como deveria. É hora, portanto, de implicar o cidadão para o exercício de sua cidadania. Não há democracia sem um povo esclarecido e merecedor de conduzir seu próprio destino.

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Não se apequene

Líderes que pensam pequeno, que se dedicam ao poder, às suas carreiras, aos compromissos que exaltam seus egos inflados são mais suscetíveis a corrupção. Tudo fazem para se manterem no poder e em evidência, pois cegam sua consciência para o progresso e para a melhoria do que conduzem. Chefe que não tem competência para ir além de atender ordens superiores, em detrimento da própria criatividade, do aprimoramento de sua atividade e do bem-estar de seus liderados diminuem a produtividade do que executam. Pessoas que conduzem pessoas e que não vão além de torná-las seus objetos de manipulação, reduzem a manifestação do que elas têm de melhor, travando o crescimento pessoal de cada uma delas. São como capatazes que querem escravizar seus liderados.

O poder emana de quem consente, portanto, ninguém tem poder sobre nenhum outro ser humano sem que lhe seja delegado. A liberdade do ser humano, respeitando o direito do outro, é inalienável. Fundamental é que esta liberdade, tornando-se responsável, seja assumida com intenção de mudar a própria vida, bem como o meio a sua volta. Quando se trata de votar, a liberdade de escolha não deve ser exercida como se tratasse do único recurso para mudar a realidade da sociedade em que se vive. Um povo que não se esforça pela prosperidade pessoal e coletiva, perde sua liberdade de escolher, de decidir e de crescer, portanto, é preciso ir além do voto, exercendo ações pessoais para mudar, inclusive o que é de interesse coletivo.

O cidadão que permite que sua cidade, seu país ou seu espaço de manifestação seja dominado por quem não tem ética, que não seja competente nem se ocupe do bem público não está contribuindo para a construção de uma sociedade harmônica. O liderado forja o líder que tem. É, portanto, responsabilidade do cidadão pelo que ocorre em sua sociedade, sem embargo das penalidades àqueles que traem seu voto, muito menos a culpabilidade das autoridades, cujo dever não pode ser negligenciado.

É preciso que o cidadão não se apequene, pois em suas mãos e na sua disposição se encontram soluções que podem, no médio e longo prazos, promoverem o surgimento de uma nova sociedade. É preciso que ele seja grande, seja próspero e tome para si o destino de sua sociedade. Portanto, sendo você patrão, empresário, líder religioso ou chefe de algum grupo, nas costumeiras comemorações de aniversários, de despedidas, de finais de ano ou outras, além das felicitações e de ajustes nos processos, converse sobre ações comunitárias para educar a população à ordem, ao progresso, ao empreendedorismo, ao ético, bem como a tudo que implique em melhoria social. É hora de pensar grande e de ultrapassar os limites do egocentrismo para agir sabiamente para que o amanhã virtuoso se aproxime mais rapidamente do hoje.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Nada a temer

Temer alguém ou algo implica em lhe atribuir um valor superior, dando-lhe poder e supremacia sobre si. Este poder não pertence ao outro, pois é apenas atribuído por quem ainda não descobriu seu valor pessoal. Portanto, o poder emana de quem consente. Quando é consciente jamais será uma condição que se deva considerar vinda de fora. A consciência do poder pessoal advém da integração de habilidades conquistadas nas experiências da vida.

Muitos são os motivos que fazem o ser humano ter medo; a morte é um deles, a doença, a solidão, dentre outros. Porém, muitas são as possibilidades de entendimento da vida que levam o ser humano a não mais temer os mitos criados pela sua ignorância. A ciência, a tecnologia, a mídia com a opinião pública, ampliaram o discernimento humano para lidar com seus fantasmas e com as ilusões criadas pela ignorância.

O cidadão, por força da evolução da sociedade e de sua consciência mais madura, está perdendo seus medos e assumindo um papel de protagonista de sua vida e dos destinos de seu país. Não está criando ilusões, mas mantendo seus sonhos, pois não se vive sem eles. Sua história tem de ser escrita por ele mesmo, não mais transferindo para oportunistas e aproveitadores profissionais nem os de plantão.

O que teríamos a temer não é o governo, mas o governante que o conduz, pois é um ser humano sujeito a influências, ao momento e ao próprio desejo permanente de poder, inerente a toda criatura. Para que este possível temor desapareça é preciso que o ser humano se apodere de seu potencial criativo, de sua condição de proprietário de si mesmo e da responsabilidade pelo coletivo, portanto, pela vida em sociedade. Precisamos estabelecer um limite para o poder dado ao outro, mesmo que tenha sido atribuído legitimamente, a fim de que o desejo natural de tê-lo não se torne algo que tenha um caráter absoluto para quem o recebeu. Portanto, um governante, quem quer seja, tem que ter seus limites constantemente vigiados e definidos para que, por conta de uma grande aceitação popular, não se torne um déspota.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Nação líquida

O ser humano tem em sua mente duas bases na formação de sua personalidade. Há, em sua Consciência, uma personalidade individual e uma coletiva. A primeira, cuida de si, de seu desenvolvimento e de tudo quanto diga respeito a integridade pessoal. A segunda, cuida da sociedade, da civilidade e de tudo quanto diga respeito ao viver coletivo. O equilíbrio entre estas duas instâncias garante uma vida saudável e perfeitamente partilhada com todos. A atrofia da primeira produz pessoas alienadas de si mesmas, cujo desenvolvimento esbarra na tirania dos outros. Por outro lado, a atrofia da segunda produz o egoísmo exacerbado, o individualismo e a corrupção do que pertence ao domínio público.

Quando o cidadão tem respeito ao outro, não confunde o privado com o público e zela pelo bem coletivo, diz-se que se trata de um bom exemplo de pessoa. Caso contrário, temos o dilapidador, o egoísta e o usurpador do que não lhe pertence, diz-se que se trata de uma má pessoa. Portanto, quando uma pessoa diz e se sente brasileira é por que tem o país dentro de si. Não é porque fala português, porque mora em seu território ou porque nele nasceu que se torna brasileira. Um país é mais do que um grupo de pessoas que levantam uma bandeira ou que falam a mesma língua vivendo em um território. Onde estão os bons brasileiros que são boas pessoas?

Certamente deve haver algum problema que escapa ao nosso entendimento, pois não é possível que uma nação toda sucumba a um movimento que, muito embora possa ter seus direitos, que devem ser respeitados, ponha em risco seu povo. Inadmissível um país demonstrar tamanha fragilidade. Não creio que haja culpados ou que alguém mereça punição. Não é por falta de leis; temos em boa quantidade. Não é por falta de Justiça; temos bons juízes. Não é por falta de recursos; temos abundância de matéria prima. Não é por falta de inteligência; temos inúmeros exemplos de bons empreendedores e de pessoas de sucessos em vários campos da sociedade. Então quais são as soluções?

Temos que fazer algo coletivamente. Há algo que precisa ser feito por todos nós. Creio que o problema esteja nos fundamentos de nossa sociedade. Falta consciência cidadã, respeito ao outro, percepção de alteridade, bem como noção de renúncia do indivíduo em favor do coletivo. Tudo indica que a alma coletiva é pequena, infantil, criança, imatura e frágil. Para fortalecer a alma coletiva é preciso educá-la com valores, com vitórias coletivas, com símbolos fortes, com valiosas conquistas sociais, com bons exemplos de comportamento ético e com a disseminação da prosperidade. O amor à Pátria se revela quando a alma não se apequena ante reveses, perdas e sofrimento, principalmente quando deseja o bem de todos, inclusive o próprio.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Linchamento coletivo

Há muito se vê a sociedade condenando pessoas pelo fato de suspeitar-se do cometimento de delitos. Isto assanha a crueldade natural promovida pela repressão dos instintos latentes em cada ser humano. Não se trata de defesa pura e simples dos direitos do réu nem tampouco o esquecimento da vítima e daqueles que sofrem por elas, mas do estabelecimento do equilíbrio psíquico de uma sociedade adoecida pela própria ignorância.

Há que considerar se de fato houve o delito, intencional ou não, e se cabe a condenação coletiva, razão da influência para a manutenção de emoções sem o controle e sem o filtro da razão equilibrada. A notícia também deveria ser depurada por quem a veicula para que não vire fato incontestável. Um momento nunca é repetível, nem os fatos podem ser recompostos literalmente. Tem valido a interpretação em lugar dos fatos que se supõem terem ocorrido.

Todos têm direito a um arrependimento e uma segunda chance, pois o ser humano é, por natureza, resiliente e capaz de se reinventar. Muitos tentam se defender dos excessos do julgamento coletivo, por um instinto de sobrevivência, muitas vezes, negando seu próprio ato. A linha divisória entre a confissão sincera, com reconhecimento do próprio erro, e a defesa com falsas palavras, encobrindo a verdade, visando proteger-se é muito tênue. A midiatização do crime ou do delito é um dos fatores que contribuem para a indiferenciação entre o falso testemunho e a veracidade dos fatos. Longe de ser a causa, porém pode provocar o “comportamento de manada”.

A lei não prevê exposição pública de acusados ou de condenados. Esta ocorrência acirra ânimos, exacerba instintos e mantém a população com a fúria a flor da pele, estado que favorece explosões emocionais descontroladas. O apenamento do réu não inclui sua execração publica, pois esta prática foi altamente condenada pela Humanidade principalmente quando da crucificação de um inocente, Jesus.

O estágio em que se encontra a sociedade ao incluir a vingança em resposta ao delito, superando a natural indignação e as penas legais, inferioriza sua condição, tornando-a um feudo medieval em que a turba se compraz em ver sangue. A vingança tem sido colocada acima da racionalidade pessoal e coletiva.

Atitudes psicopáticas que resultam em sofrimento, em morte ou em irreparáveis perdas são e deverão sempre ser condenadas. Seus responsáveis deverão receber os rigores da lei; porém, sem esquecer de que, em seu mundo íntimo a condenação é inevitável, com a qual vão conviver independentemente da aparência de felicidade ou sucesso que possam ostentar. Ninguém escapa ao julgamento da própria consciência. Quem comete um delito, seja um simples ato de injustiça para com o outro ou um cruel assassinato conviverá com as imagens geradas automaticamente em sua consciência exigindo um improvável esquecimento e uma inevitável reparação.

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Mente sã

Talvez por que o iniciador da psicanálise tenha sido médico e cuidado de “loucos” haja resistência nas pessoas em fazer terapia. Muitos ainda relacionam terapia ou ir a um psicólogo a pessoas com problemas mentais. Há também o preconceito de que se trata de alguém fraco ou incapaz de resolver seus problemas sozinho. Hoje a atividade não é somente do domínio da psiquiatria. Ao contrário, há muito mais não médicos cuidando da mente das pessoas e lidando com os conflitos humanos num consultório do que antes. É preciso ser uma pessoa madura para se decidir procurar auxílio em uma terapia. Muitos precisam, mas recuam por preconceito ou por falta de dinheiro. Porém, existem instituições que nada cobram, ou que praticam valores simbólicos, e que prestam bons serviços de terapia.

Terapia é uma experiência em que um profissional se coloca a disposição para compreensão do que se passa com alguém, visando torná-lo consciente de seus problemas e de como poderia encontrar alternativas para solucioná-los. Trata-se também da busca conjunta por um sentido e significado da vida e de como ela pode ser mais suave e encarada com leveza. A terapia é útil sobretudo para a mudança da visão de mundo e de si mesmo, buscando libertar-se de velhas culpas e de conceitos equivocados sobre a vida e o próprio comportamento.

Porém terapia não resolve tudo, nem deve se constituir em muleta permanente, pois pode se estabelecer uma relação de dependência e de falso suporte. Seus limites se encontram no desconhecimento do terapeuta a respeito de si mesmo, projetado em seu paciente, bem como na percepção de cada um de que nada mais há a acrescentar. Independentemente da existência de alguma patologia psíquica ou de transtorno diagnosticado, a terapia é útil sobretudo para aquele que se sente angustiado, cheio de culpa ou que pauta seu comportamento por julgamentos maniqueístas de certo ou errado. Fazer terapia e sinal de cuidado com a própria saúde psíquica e de atenção ao que se passa em seu mundo interior. Façamos terapia.

domingo, 18 de novembro de 2018

Lamento

Lamento e tenho vergonha de meu país, pois seus políticos, escolhidos democraticamente pelo povo, portanto, por mim também, comportam-se de forma inadequada e em desacordo com a ética. Faltam ao povo e aos políticos a consciência sobre quais são os fundamentos de uma nação.

Lamento e sinto vergonha porque outros cidadãos, imitando-lhes o comportamento, justificando-se por causa deles, agem da mesma forma contaminando toda a sociedade da qual faço parte. Falta-lhes o exemplo de personalidades que sirvam de referencial ético, com valores forjados pelo trabalho, pelo empreendedorismo e pela excelência profissional.

Lamento e tenho vergonha pela violência que domina o dia a dia das pessoas que vivem com medo, transitando estressadas e fragilizadas, tornando sua vida social um espetáculo digno de um filme de terror. Faltam aos responsáveis pela violência civilidade, compaixão e obediência a autoridade, tanto quanto a paz interior.

Lamento e tenho vergonha pela fome que atinge pessoas na cidade em que vivo, que mendigam e anseiam pela misericórdia alheia, desejando que suas vidas magicamente se transformem e encontrem uma saudável felicidade. Faltam melhores condições de vida, empregos e habitação digna.

Lamento e tenho vergonha pela falta de escolas, que a educação seja um negócio e que permaneça em plano secundário, sem o protagonismo necessário para promover mudanças significativas na sociedade. Faltam políticas públicas que priorizem recursos para a educação básica e fundamental.

Lamento e tenho vergonha pela falta de recursos e pela desorganização na área da saúde, em que as pessoas sofram e sejam deixadas entregues às suas dores, ao descaso sem assistência médica, nutricional e psicológica. Falta aos governantes a inteligência necessária para que entendam a importância de uma boa e bem aplicada previdência.

Lamento e tenho vergonha pela falta de esgotamento sanitário que contribui para a proliferação de doenças, degradando a vida humana, sobretudo, nas comunidades menos favorecidas que vivem em habitações de risco. Falta aos governantes e políticos a humildade para que se ocupem do que não aparece nem dá voto.

Meu lamento e vergonha devem-se à dificuldade em reverter tais condições e por não vislumbrar em curto ou médio prazo uma mobilização social capaz de fazê-lo. Não é agradável fazer parte de uma sociedade paralisada, estagnada e, por vezes, insensível aos graves problemas que a acometem. Tenho esperança de que meu lamento se junte a outros para que possamos aumentar a massa crítica daqueles que se esforçam, mais do que fazem a própria obrigação, para mudar nossa sociedade. Espero também continuar, enquanto lamento, trabalhando em favor de uma sociedade mais justa, igualitária e feliz. Sei que não estou sozinho.

sábado, 17 de novembro de 2018

Judeus

Fascinante a história dos judeus. Os filhos de Abraão, de Isaque, de Israel e de Judá deram origem a uma civilização caracterizada pelo progresso e por uma resiliência inigualável. Mesmo sendo alvo de inúmeras perseguições ao longo da história da Humanidade, os judeus, que são minoria na população mundial, apresentam características peculiares que os destacam positivamente. Mais de vinte e cinco por cento dos ganhadores do Prêmio Nobel, principalmente de Física e de Medicina, são judeus, revelando a excelência nos estudos e pesquisas de seus cientistas e pensadores. Em vários aspectos são admiráveis e dignos de exemplo.

Viveram dominações e diásporas, foram perseguidos e espoliados, mas nunca perderam sua identidade, seu denodo e sua inspiração para a excelência. Originalmente camponeses, por conta das muitas dispersões e mudança de países e culturas, miscegenaram-se nas várias sociedades em que foram submetidos. Por vias dolorosas, levaram para aquelas culturas seu modo de ser, seus costumes e sua tendência ao fortalecimento dos clãs familiares. Foram eles os primeiros povos de que se tem notícia, a adotar a ideia do Deus único, privilegiando a relação direta entre o humano e o Divino.

A Humanidade nunca vai esquecer o Holocausto, símbolo maligno do horror que dominadores de povos impuseram aos que foram, pela força bruta, subjugados injustamente. Há que se perguntar por que o povo judeu foi submetido a tamanha atrocidade. Talvez a resposta seja porque sempre se opuseram ao domínio de um povo sobre outro, de uma nação sobre outra, de irmãos, filhos de um mesmo Pai amoroso, contra outros. Isto era pregado e executado pelos insanos que desejavam uma raça pura em desrespeito à diversidade humana, maior riqueza que o Criador gerou na Terra.

Hoje Israel, em que pese sua obstinada defesa bélica das terras que acreditam lhe pertencer, formam uma comunidade pacífica, organizada e tradicional que continua exportando para o mundo os ideais de seus patriarcas, cuja bandeira sempre foi a de união dos povos, da liberdade ampla e irrestrita e a da constituição de uma sociedade vivendo em harmonia.

Sim, seria bom que nosso povo, o brasileiro, ante a adversidade que caracteriza a vida do mais pobre, se espelhasse na determinação encontrada nos judeus. Não se trata de supremacia ou de admiração exagerada, tampouco inferiorização de qualquer povo em relação a outro, mas de espelhamento para superação de adversidades. Não há, sobre a Terra, qualquer superioridade entre as culturas, mas há aquelas que se revelam, pelos resultados alcançados ante a injustiça, exemplos de dignidade e de nobreza. Sem qualquer parentesco direto ou remoto com judeus, encanta-me a história, a cultura, a perseverança de um povo que tem espalhado excelência no mundo.

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Jogos da vida

A vida é um jogo em que atuam muitos personagens, onde todos querem vencer. Perder não está nos planos de nenhum dos jogadores. A todos só interessa a vitória. São eles, os vencedores, que constroem a interpretação do que é a história. São os vencedores que contam, pelo seu olhar, o que chamam de verdadeira história. Não conheço a versão dos perdedores. Não ganhar, ou perder, é considerado desonra, fracasso e inferioridade. Esta é uma das razões que dificultam a aceitação das contingências aversivas da vida. Aprende quem ganha e quem perde, pois o jogo da vida não obedece as regras humanas em que o vencedor é sempre o melhor na sua expertise. Superação, resiliência, merecimento, humildade, espelhamento coletivo, bem como necessárias lições transcendentes também fazem parte dos resultados das experiências.

No jogo da vida há riscos, perigos e possibilidades de grandes e graves mudanças. Há os que apostam muito, colocando em cheque o seu próprio medo e, do outro lado, os tímidos que acreditam que podem brecar o inexorável destino, omitindo-se do viver. Não existe o não viver, pois o sentido da vida é viver. Quando há a pretensão de ganhar a qualquer custo, principalmente pondo em risco o direito do outro, os resultados são sempre funestos para quem não tem escrúpulos. Se as leis vigentes tardam para encontrar os jogadores que desrespeitam o direito alheio e que ultrapassam os limites dos valores éticos, existem, porém, mecanismos psíquicos que não permitem que eles escapem de si mesmos. A mente humana possui leis próprias que perseguem os jogadores inescrupulosos.

Ninguém escapa do julgamento de si mesmo. Quando é atingindo um patamar que ultrapasse a ética estabelecida pela vida, dispara-se um mecanismo inconsciente de restabelecimento da ordem e do direito que atua à revelia da consciência e da cronologia dos fatos, para que haja o progresso social. A exemplo disso, as atrocidades cometidas pelos nazistas que resultaram no nefasto holocausto, genocídio contra os judeus, não ficaram impune. Até hoje os alemães se envergonham do que fizeram. A despeito do mal que fizeram, a Europa hoje, reerguida pelo Plano Marshall, apresenta prosperidade muito superior à existente antes da guerra. Assim ocorre na mente humana. Um dia, o indivíduo vai se perguntar para que usurpou, roubou ou cometeu qualquer delito para se prevalecer, desprezando a ética estabelecida pela vida.

Na dimensão afetiva, não é diferente. Joga-se muito, apostando-se altas somas de emoções que, em muitos casos, desarmoniza a vida e altera sobremaneira o destino. Negociam-se sentimentos, oferecem-se vantagens sem o devido lastro, engana-se e se é enganado. Neste jogo, ganha-se e se perde. Há, porém, um jogo em que ninguém vence: o jogo do poder. É ele filho do egoísmo e da falta de solidariedade. Quando o poder, o controle e a indiferença se apresentam nas relações, o amor não se instala.

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Inevitável instabilidade

Parece que atingimos um grau de desorganização e falta de competência coletiva tal que entramos numa fase crítica de instabilidade social. Não se trata de pessimismo exagerado ou de olhar negativo sobre a realidade, mas de realismo crítico visando o encontro de soluções definitivas. São notórios os sinais de degradação e total ausência de valores e de harmonia nos diversos núcleos da sociedade. É como se não existissem garantias de que vamos alcançar a tão desejada paz social e a necessária qualidade de vida para todos.

É obvio que existem avanços significativos na sociedade, com melhorias em muitos processos humanos. A sociedade progride graças ao desenvolvimento das pessoas que se atualizam e fomentam o progresso. Felizmente acontecem melhorias, aqui e ali, por força do espelhamento em experiências exitosas, bem como por influência de mentes mais lúcidas que aparecem interessadas no bem comum. São estas influências que animam os que trabalham honestamente e que se dedicam a construir uma sociedade mais justa, mais harmônica e igualitária.

Aqueles que acompanham as notícias e os fatos que surgem na mídia, compondo a opinião pública, estão concentrados na vida política, e, por este motivo, não estão atentos à desorganização que atinge todos os setores da sociedade. Na vida social, na família, na escola, no comércio, no trânsito, no serviço público, nas relações amorosas, nos postos de saúde, nos ambientes religiosos, nos tribunais, nos quartéis, como em todas as atividades humanas, os problemas acontecem sutilmente, prejudicando a consciência do ser humano, minando a paz social e sugando as energias e os esforços dos que querem o bem comum. Há sempre algo a ser melhorado, pois a evolução da vida que quer se organizar é inexorável.

Tudo parece estar incompleto, inconclusivo e instável. Desavenças, interesses particulares prevalecendo sobre o bem coletivo, futricas, egoísmo exacerbado, cobiças, maledicências, invejas e o desejo de poder grassam em todos os setores da sociedade. A grande maioria quer levar vantagens a qualquer preço, sem ética e sem limites, pois colocam sua sobrevivência acima do interesse coletivo. 
Tudo isto ocorre numa sociedade sem líderes que sejam comprometidos com ideais e que adotem a transparência ampla e irrestrita de suas vidas; numa época em que a escassez de inteligências voltadas para o bem comum é notória. Não se trata de ser profeta do apocalipse, mas de encarar a realidade tal qual ela se apresenta. A responsabilidade de resolver é coletiva, exige ações de curto, médio e longo prazo, tem de ser dividida entre cidadão e governantes, entre pessoas físicas e pessoas jurídicas, para que todos ganhem. A criação de comitês de qualidade, de desenvolvimento, de inovação, de otimização, de ergonomia, para propor soluções, melhorias, otimizações, economia sem perda de qualidade, ética sem caça às bruxas, no âmbito das empresas públicas e privadas e nas associações diversas pode ser um começo.

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Indústria perversa

A vida humana exige esforço, sacrifício e determinação para que sejam vencidos os obstáculos naturais que se interpõem entre o indivíduo e a realidade. Submetido ao estresse do cotidiano, todos procuram se adaptar, liberando comportamentos, muitas vezes, considerados esquisitos. Difícil distinguir entre normalidade e anormalidade quando o ser humano é submetido a situações estressantes e a experiências que o inferiorizam e lhe exigem conformidades. Enquadrar uma pessoa como portadora de um transtorno mental por apresentar certos sintomas oriundos da vida moderna ou de aspectos concernentes a sua cultura é criar propositadamente estigmas, para depois querer curá-los com placebos que, no longo prazo, trazem enormes prejuízos a saúde física e psíquica.

Inadmissível que se acredite que uma medicação possa resolver ou curar, por exemplo, a natural tristeza provocada pela perda de um ente querido, enquadrando seu portador com o diagnóstico de depressão. É a falência da inteligência, permitindo que a parvoíce lhe tome o lugar. A perversidade maior é prescrever ansiolíticos, antidepressivos e antipsicóticos a crianças que apresentam traços de hiperatividade ou com dificuldade de aprendizagem. São perversos que disseminam a cultura da doença mental para quem desconhece como funciona seu próprio psiquismo.

A poderosa indústria farmacêutica impõe critérios diagnósticos para simples sintomas que apenas se tratam de traços da personalidade, intoxicando a população para aumentar seus lucros. Influenciam médicos, criam laboratórios geradores de drogas danosas ao ser humano e financiam pesquisas encomendadas para garantir suas frágeis teses, no intuito de fazer prevalecer a crença de que tudo pode ser resolvido com uma mágica pílula que a tudo cura. Desprezam a consciência humana, capaz de superar seus desafios e de tentar, até sua última porção de inteligência, resolver o que se passa em seu mundo mental, sem efeitos colaterais danosos. Cometem um genocídio silencioso.

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Heróis

Dizem que precisamos de heróis para nos espelharmos. Fala-se até que, em um povo sem heróis, os cidadãos vivem a deriva, sem rumo e sem sentido. Talvez não seja bem assim. O que são os heróis? Pessoas que se assemelham a semideuses, os que vencem batalhas, os que matam monstros devoradores, os que possuem espadas e escudos nas suas lutas diárias, os que superam o mal e protagonizam o bem? Ou são os ídolos artistas, jogadores de futebol, atores ou as figuras públicas de renome? Serão os medalhistas, os que representam o país nas disputas externas ou os políticos que governam o país?

Melhor procurarmos heróis onde eles de fato estão. São e fato nossos heróis: as donas de casa semialfabetizadas que não tiveram acesso à escola, e que nem por isto deixam de cuidar de seus filhos; os que moram em subabitações, por não terem acesso à uma casa própria, mas que valorizam o lugar; os que saem na madrugada para o serviço em locais distantes de suas moradias, mas que não faltam ao trabalho; os que adoecem e permanecem com suas dores, sem direito a uma assistência médica digna, em frente a hospitais sem condições de atendimento, mas que mesmo assim não deixam de buscar um trabalho digno; os que vivem a cata de um emprego e se submetem a trabalhos mal remunerados e em condições degradantes, mas mesmo assim pagam impostos; os que são discriminados por serem parte das minorias (religiosas, sexuais, raciais etc..), mas mesmo assim não perdem a dignidade; os que vivem com medo da violência e, por falta de outra opção, saem às ruas no exercício de sua liberdade; os professores que dão aulas em escolas deterioradas, com salários aviltantes, sob risco de serem atacados pelos alunos, mas que continuam seu ofício; os idosos, invisíveis na sociedade, sem cidadania, mas que continuam em busca do viver; os deficientes, que não têm acessibilidade, mas que continuam lutando pelo respeito que merecem.

Estes são os heróis, que merecem o prêmio da libertação da opressão, de ficarem livres da corrupção e de alcançar a verdadeira democracia em uma sociedade igualitária. Não precisam da piedade nem da esmola consolatória, mas de respeito. Merecem o lugar de heróis, como protagonistas da vida, como donos do próprio destino.

Eles não são heróis por serem medalhistas, mas por vencerem a vida lutando com todas as forças para alcançar o que lhe é de direito. Alguns aparentam lentidão e descaso pelo esforço, por serem vítimas de um sistema que os escravizou, discriminou e lhes usurpou a vida com dignidade.

Por eles, e pelos que querem uma sociedade melhor, façamos o máximo para torná-la igualitária, ética e justa, para que os filhos de sua terra alcancem os ideais que imaginamos para a felicidade que julgamos merecer. O prêmio a eles não deve mantê-los como se encontram, mas que os coloquem ao lado daqueles que se julgam melhores, mais capazes e merecedores das benesses da vida.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Grite

Seus pulmões são importantes reservatórios processadores do alimento que lhe será imprescindível à manutenção de seu corpo. O ar que você respira será parcialmente devolvido ao meio ambiente. Uma das formas de devolução é pela fala. Sua voz é resultado da energia de seu corpo e da vida inteligente que ele abriga. Por esta razão ela traduz quem você é, expressa sua dignidade e determina seu destino. Portanto, nunca se cale quando se expressar é o que lhe resta para que sua vida valha a pena. Se necessário grite, desabafe a plenos pulmões, pois a morte de uma pessoa se inicia quando ela se omite ante o que lhe impõe qualquer tipo de inferioridade.

Grite em alto e bom som quando pretenderem anular seu direito de expressão ou quando quiserem calar sua voz perante a injustiça. Sempre que alguém quiser retirar de você o direito de ser você mesmo, mostre sua dignidade e seu desagrado. Nunca se cale nem demonstre aceitação do que oprime. Não aceite que seja desvalorizado ou tratado como se nada valesse. Você, como todo ser humano, é a razão da existência de uma sociedade que deve respeitar a pessoa humana, sem qualquer restrição. Em tempos de alta corrupção, de justificativas simplistas para o egoísmo e da vilania dos que não têm escrúpulos para usurpar, não se cale. Pela voz, pela escrita, pelo voto e por todos os meios ao seu alcance não se intimide ante os vilões à solta, disfarçados de heróis e de benfeitores.

Imponha-se ante uma sociedade dos que faltam o caráter, dos que roubam e dos que querem sempre levar vantagem em tudo. Não aceite, não pactue nem se alie aos que se mostram superiores e fazem propaganda de seus feitos, apresentando-se como líderes modernos. Não passam de enganadores que tratam as pessoas como marionetes e vítimas que precisam ser salvas. Oponha-se aos que apresentam ideias velhas com palavras novas para ludibriar o ingênuo e agradar os que anseiam por quem os conduza como se não fossem capazes.

Valorize a expressão de suas ideias, reagindo a tudo quanto vise ter poder sobre você sem ser consentido, pois suas palavras, faladas ou escritas, sempre serão importantes formas de identificação de sua personalidade e de seu valor pessoal. É hora de você examinar sua consciência e não aceitar o próprio silêncio como meio de justificar sua impotência, pois certamente você pode fazer mais. Adote o comportamento de quem está atento a si, ao outro e à sociedade para que todos ganhem e vivam sob um sistema justo, alcançando o bem-estar coletivo.

Seu grito não é dos que só sabem fazer barulho, mas daqueles que utilizam todos os meios para combater a injustiça, a intolerância e, sobretudo, o desrespeito à vida humana. Utilize sua voz para conduzir ideias que, ao serem postas em prática por você mesmo, produzem prosperidade social. Nossa vida encontra um sentido quando produz o bem de todos.

sábado, 10 de novembro de 2018

Ganhar

Todos querem ganhar. É da natureza humana obter prazer, pertencer a um grupo referencial, querer compensar um natural sentimento de inferioridade, bem como atingir a harmonia interior com a conquista de uma personalidade ótima. Guiadas por estas condições, as sociedades foram se estruturando e se organizando de acordo com sistemas e teorias, econômicas ou não, visando a melhor organização social, de acordo com os costumes e a cultura de seus cidadãos. Nenhuma delas, seja o socialismo, o capitalismo, o liberalismo ou outras, lograram êxito. Não quer dizer que não conseguiram avanços sociais ou que devam ser execradas. Apenas são incompletas e não levam em consideração o fato de que o ser humano é imprevisível e movido por fatores subjetivos de difícil controle. Acresce ainda as inúmeras interferências de fatores de natureza complexa que afetam as coletividades que não são detectáveis nem matematicamente previsíveis. Falharam? Talvez. Impuseram-se aos cidadãos em face da natureza das contingências da época e das crenças das sociedades em que se instalaram.

Qual sistema satisfaria a todos, quando o desejo coletivo é sempre de ganhar, além das diferenças significativas nas condições de cada sociedade, sobretudo com consideráveis déficits de serviços básicos? Com horizontes diferentes, as sociedades ficam a mercê de teorias elaboradas por governos nem sempre verdadeiramente democráticos, ou por líderes arranjados de última hora, algumas vezes forjados pelo número de curtidas em redes sociais. Difícil atender à sociedade quando ela está se modificando e se organizando como se tivesse vida autônoma, crescendo de forma não convencional. A sociedade está sem o controle de qualquer comando central ou governo, criando seu sistema regulador, cujo direcionamento parece ser o da descentralização do fulcro por onde as teorias nascem e se desenvolvem. Não resta dúvida que o fator interveniente é a internet, que viraliza e democratiza todo tipo de manifestações oriundas de qualquer cidadão.

Para vencer os desafios desse crescimento, teorias, sistemas ou filosofias modernas apresentadas para gerir a sociedade em seu atual estágio de desenvolvimento, devem conter em suas bases filosóficas um mínimo compartilhamento da prosperidade gerada. Um modo positivo de organização social deve visar o bem-estar pessoal e coletivo, além de respeitar a diversidade da pessoa humana. Essa teoria, ou teorias, devem conter um senso de justiça tal que contemple uma educação que inclua o ganho como algo que deve ser compartilhado, sobretudo, os de natureza intelectual e emocional, distribuídos a todos os cidadãos por quem os conquistou. Sem a solidariedade e a equidade de direitos para todos, a sociedade continuará permanecendo no domínio dos mais espertos, daqueles que roubam os sonhos de muitos.

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Ganhar no grito

O expressionista norueguês Edvard Munch pintou, em 1893, uma série de quadros denominados de “O Grito”, que retratam a angústia humana diante de sua inevitável situação existencial. O pano de fundo de seus quadros era sua própria história com tragédias familiares e um malsucedido romance. O desespero, a culpa e a ansiedade humanas foram subjetivamente representadas nas imagens andróginas dos quadros de Munch. Sua obra de Munch se eternizou pela qualidade artística e pela capacidade de traduzir sentimentos superlativos da tragédia humana.

“Mutatis mutandis” (guardando as devidas proporções), assistimos na mídia a transcrição e reprodução de gravações dos escândalos que ocorrem em nossa vulnerável República, envolvendo suas “ilustres” figuras. São gritos, às vezes, sussurros, de quem não percebe que vive sua angústia, seu inferno astral e os estertores da vida insidiosa que levam. São muitos que gritam, incriminando outros, buscando salvar a própria pele, mas que não conseguem argumentos paralimparem a própria alma da lama em que vivem.Parece que todos querem ganhar no grito, porém não percebem que suas acusações, com os impropérios característicos do meio, refletem a angústia em que vivem por uma salvação das garras do judiciário. A fala coletiva de que não escapa ninguém é genérica, e, em alguns casos, injusta, pois enquadra todos os políticos na vala comum da corrupção, do crime e da ilicitude. Porém é possível afirmar que todos, sem qualquer exceção, sabiam e sabem dos esquemas e armações que são feitas para que eles mesmos fossem eleitos. Posam de honrados cidadãos, mas seus telhados são de frágil vidro transparente. Gritam em favor da própria honra, que há muito tempo foi negligenciada.

Resta ao cidadão comum fazer sua parte, também gritando seus direitos fundamentados no estado de direito em que vive e no dever cumprido de não participar da bandalheira reinante. Gritemos pela legalidade. O grito não deve ser de angústia, mas pacífico e de indignação.

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Fidel

Dizia John Donne, poeta inglês do século XVI, “nenhum homem é uma ilha”. Claro que não se aplica ao cubano Fidel Castro, cuja vida se confundiu com a história da ilha de Cuba. Ali ele reinou por muito tempo, sobrepondo sua personalidade à cultura vigente. Ideologias à parte, sem qualquer crítica ou adesão ao regime por ele imposto ao seu país, Fidel mostrou, nos quase cinquenta anos em que dirigiu o povo cubano com seu carisma e grande sensibilidade, que se pode alcançar a alma das pessoas, oferecendo-lhe o de que precisam.

Ao encarnar o antiamericanismo, inspirou muitos povos e gerações que acreditavam no ideal comunista, fomentando a formação de partidos políticos, grupos ideológicos, guerrilhas e oposições a regimes de Direita. Tornou-se uma lenda, um ícone, porta-voz de um povo, símbolo de uma ideia e de um ideal coletivo, capaz de influenciar diferentes pessoas em muitos países do mundo. Independentemente do aspecto politico-ideológico que suscita controvérsias, é de admirar alguém que consegue a proeza de ser a unanimidade entre milhões de pessoas.

Conduziu um povo que se deixou influenciar por ideias comunistas e que, por sua vez, fomentou o surgimento do personagem que ele se tornou para o mundo. Carismático, cativante e procurado pelos jornalistas do mundo inteiro para dar alguma entrevista em que discorresse sobre política e, principalmente, sobre os Estados Unidos. Ele encarnou a antítese no Ocidente, opondo-se ao gigante americano, baluarte do capitalismo no mundo. Era como reviver Davi contra Golias. Uma pequena ilha, aos pés do imenso território americano, ousava impor-se soberanamente.

Atraiu a simpatia mundial, extrapolando questões ideológicas e se impondo contra o imperialismo dos Estados Unidos, usurpador do nacionalismo e da soberania dos povos. Fidel e o povo cubano mostravam que a dignidade de uma nação não pode ser vendida. Sua ascensão em plena guerra fria, tornou-o a menina dos olhos da então União Soviética, que sustentou a ditadura, usando Cuba contra seu principal rival.

Sua personalidade extrapolava os limites da pessoa para encarnar as aspirações dos milhões de cubanos que aspiravam sua soberania. Por esta razão, Fidel já não falava mais de si, de sua singularidade, mas da alma coletiva que representava. Sua individualidade ficou de lado, dando lugar ao que há de comum em cada ser humano. Certo ou errado, ditador ou salvador, tirano ou não, Fidel deixou de ser uma pessoa para se tornar uma instituição pública, cedendo terreno para o que ele representava. Assim ocorre com muitas figuras públicas que, sem que o percebam, saem de cena para representar um papel, dando lugar ao que o povo deseja. Anulam-se, perdendo o que há de mais precioso no ser humano, sua singularidade.

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Ética Pessoal

Naturalmente somos levados a falar de ética quando sua falta é notada nas transgressões humanas, sobretudo, na corrupção. Raras vezes analisamos a ética como sendo um patrimônio pessoal. Para a maioria, trata-se de um punhado de normas que devem ser seguidas, de acordo com o senso comum e aceitas como modo lícito de viver bem coletivamente. Mesmo distinta da moral, a ética deve ser lembrada quando nossas ações requerem o discernimento sobre sua validade como norma social.

A ética, como disciplina pertencente ao campo da Filosofia, deve ser compreendida fora do domínio da religião para que seja assimilada como norma pessoal, cujo regulador deve ser exclusivamente a própria consciência do indivíduo. Portanto, não se trata de regra coletiva a ser seguida, mas um conjunto de princípios e diretrizes pessoais de conduta exigindo coesão interior. O que caracteriza a ética de uma pessoa é sua coerência quanto ao funcionamento da relação entre aqueles princípios e a vida em sociedade. Não se trata tão somente da simples utilização de uma moral social exigida pela cultura, mas da fidelidade aos próprios princípios.

Quando a ética de uma pessoa for inferior à norma social, teremos o ilícito. Quando for qualitativamente superior, com valores que, quando aplicados, superam as desigualdades, as injustiças e as angústias da sociedade, teremos o progresso coletivo. Uma ética retórica, aplicada por obrigação e por força da existência de controles legais tende a sucumbir e a levar o indivíduo ao desejo de transgredir, portanto, de algum tipo de poder sobre os outros.

A ética pessoal, mesmo quando diferente para cada pessoa, não se configura numa babel quando é erigida dentro de princípios coerentemente seguidos. Quando afirmo que nada quero do outro que não tenha ou não me queira dar, quando pauto minhas ações pelo desejo de empreender pelo bem-estar pessoal e coletivo e quando respeito a individualidade e o direito do outro como a mim mesmo estarei sendo ético. Na medida em que alinho meu sentir, meu pensar ao meu agir estarei sendo ético.

A educação como meio de integração da ética pessoal exige o empoderamento do indivíduo sem que se aliene de sua condição de ser social, mas que se perceba com suas diferenças, respeitando o mosaico coletivo em que está inserido, e como sendo apenas mais uma personalidade. Levar ética ao ensino público e privado é o mínimo a ser feito para uma sociedade em muito distanciada de valores que a transformariam numa coletividade harmônica e justa.

O retrato podre da ausência de uma ética pessoal no cidadão é a corrupção, qual câncer social grassa em todos os setores humanos. Precisamos de leis, de regras coletivas, de mecanismos de controle e de uma eficiente escola, mas necessitamos muito mais é de humildade para reconhecer o quanto estamos distantes do ideal de pessoa que pensamos e queremos ser.

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Era digital

Vivemos um boom de adesão ao uso da informática. Os dedos humanos nunca foram tão utilizados como hoje. Magicamente, como se saísse do nada, a informação surge disponível para que o usuário desfrute da satisfação de seu desejo consciente e, muitas vezes, inconsciente. O virtual se torna o real, provocando a mente humana na sua capacidade mais elementar: a imaginação. O objeto em si torna-se secundário, pois sua imagem assume o lugar soberano de realidade. Pela facilidade de acesso, pelo volume e diversidade de informações e pela imensa oferta de serviços proporcionados pela internet, configura-se como o inconsciente da coletividade de onde tudo se consegue ao simples toque de um dedo.

As relações entre pessoas pelas redes sociais ampliam os contatos humanos, pois favorecem a descoberta de novas amizades, mesmo que virtuais, portanto, mais frágeis. De uma nova forma, ninguém mais será condenado à solidão. O mundo digital parece suprir as carências humanas conectando pessoas sem as barreiras impostas pelos desníveis sociais. Há um preço, plenamente suportável, caracterizado pela qualidade inicial destas relações que as tornam fugazes e de consistência duvidosa. São relações de “persona”, que distanciam o ser humano de seu semelhante, optando-se por um contato que lhe permite a proteção no anonimato, além de uma certa invisibilidade. Desse modo garante-se a manutenção da sombra pessoal, escondida e sob controle.

Mas informática não é só rede social. É ela responsável pela sobrevivência e pela melhoria da qualidade da vida humana. Graças a esta era digital, operações como a Lava Jato podem ter êxito, pois são utilizados sofisticados programas de computadores que coletam e analisam instantaneamente dados, alimentados por informações de distintas fontes, apresentando resultados precisos e surpreendentes. Por enquanto essa explosão de recursos tecnológicos está trazendo conforto e sobrevida ao ser humano, porém ainda não o fez agregar valores éticos nem integrar habilidades de convivência úteis para sua plena felicidade. Somos como pilotos de uma grande e sofisticada aeronave, cuja tecnologia não nos ensina a saber os motivos da viagem nem aonde iremos chegar.

Em mãos que se tornam apêndices de mentes evoluídas e eticamente superiores a tecnologia promove crescimento pessoal e desenvolvimento social. Em mentes fracas ou doentes servem apenas ao deleite e passatempo para compensar o vazio pela falta de significado existencial, quando não serve a fins escusos, principalmente em tempos em que a ética anda sumida. Vamos aguardar que surja um aplicativo que nos conecte efetivamente uns aos outros como semelhantes, fadados a construir um mundo melhorcom o poderoso auxilio da cibernética, porém, com a utilização das subjetivas e inalienáveis habilidades humanas, sem as quais viveremos literalmente num mundo de matrix.

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Elites

O termo elite normalmente é utilizado pejorativamente quando aplicado aos ricos, aos mais favorecidos socialmente e aos que frequentam as mídias sociais pelo destaque socioeconômico. Aqui não utilizo com este sentido, mas tão somente considerando que se tratam de pessoas que se encontram num nível de excelência no que fazem, destacando-se por competências e habilidades. Nem sempre caráter da pessoa tem o mesmo valor. Ser elite é ser muito bom no que faz e que traz inegáveis benefícios sociais; gerar empregos é um deles.

Nossa cidade tem bons empresários, pessoas que criaram grandes negócios e fomentaram o progresso, gerando empregos e promovendoo surgimento de importantes setores úteis à sociedade. São eles, simultaneamente, causa e consequência do capitalismo, cuja fase atual é da utilização do lucro como fator de prosperidade pessoal e coletiva, bem como do surgimento de organizações não governamentais - ONGs - para cobrir as deficiências do Estado e para superar os inconvenientes do subproduto do sistema.

As ONGs são instituições autônomas, sem fins lucrativos, dedicadas a ações de cidadania, visando atender às demandas sociais ainda deficitárias. Representam uma maior participação da sociedade na solução de seus conflitos. Ocupam os espaços públicos onde o Estado não apresenta competência, interesse ou desconhece sua necessidade e valor. Quando o Estado propõe políticas públicas populistas, com ações paliativas e eleitoreiras acontecem os vazios preenchidos competentemente pelas ONGs. São instituições sem envolvimento político-partidário, com uma clara ideologia dirigida ao bem-estar social. É dever de todos estimular, contribuir e participar dessas instituições.

Mesmo não se assemelhando, as conhecidas Confrarias poderiam ter a mesma proposição que as ONGs. Confrarias, além do encontro divertido de amigos, incluiriam a ideia da reunião de pessoas que se preocupam com pessoas e que visam a otimização de serviços úteis à vida social. Portanto, iriam além da boa conversa, de uma agradável bebida, da troca de informações sobre negócios, e incluiriam outros propósitos que resultassem em benefícios sociais. Não se trata de doar bens, dinheiro ou oferecer cestas básicas, ou pagar uma conta para uma instituição. Portanto, não se trata de caridade ou doar aos pobres, mas de reorganizar melhor a sociedade para os fins a que se destina a empresa, o Estado e o próprio cidadão.

Seria algo mais assertivo, com clara intenção de oferecer, através de ações bem dirigidas, autonomia e sustentabilidade à instituição alvo. Trata-se de uma filantropia não enviesada, madura e fruto de uma consciência renovada pelo desejo do exercício de uma cidadania adulta. A própria sociedade assumiria parcialmente a condição de ser o Estado, ou pelo menos de ter parte dele sob sua administração. Espero que as Confrarias se tornem bons instrumentos do exercício da cidadania.