segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Desenvolvimento

Recentemente estive na Escandinávia e pude ver de perto pessoas vivendo com excelente qualidade de vida em países desenvolvidos. Um destes países, a Noruega, tem o maior IDH do mundo: 0,953. Questionei-me por que meu país não tem o mesmo. As pessoas de lá são como as de cá, portanto, todos são seres humanos. O que nos falta? Não creio que seja uma questão tão somente política ou mesmo relativa a governos. As diferenças entre aquelas sociedades e a nossa são muitas. Nossos problemas estão na educação, na saúde, na mobilidade, na moradia, na violência urbana, na intolerância religiosa, na discriminação, no descaso com a coisa pública, na corrupção etc.
O que fazer ante tantos problemas? O IDH do Brasil é 0,759, que coloca o país na septuagésima nona posição. O IDH envolve a expectativa de vida ao nascer, a quantidade de anos de estudos e o poder de compra do cidadão. São fatores que apenas sinalizam de forma sintética que aquelas sociedades possuem altos índices de desenvolvimento nos campos medidos. O IDH não reflete a totalidade de uma sociedade, mas sinaliza para três grandes áreas que merecem investimentos maciços para que venham trazer prosperidade aos seus habitantes: a expectativa de vida, a educação e a capacidade de renda para o acesso aos benefícios oferecidos pela sociedade.
Claro que as soluções passam pela política, pelo governo e pelo sistema social em vigor. Porém, os protagonistas da sociedade não podem ficar de fora. Não se pode excluir individualmente o cidadão nem tampouco os setores que fazem a dinâmica da sociedade. A consciência a ser incutida no cidadão é de que ele é o protagonista da formação da sociedade e o responsável direto em promover sua qualidade. Na outra ponta está o empreendedor, pois é ele que movimenta a sociedade e gira o capital que favorece a existência de serviços, sejam privados ou públicos.
É necessário que haja um pacto que envolva as entidades representativas dos cidadãos e dos empresários, referendado pelo poder legislativo. Neste intuito, o Congresso Nacional deve funcionar como legitimador do pacto, a fim de que haja legalidade. Cabe ao cidadão, devidamente representado, fazer valer seus verdadeiros anseios de construção de uma sociedade melhor. Creio que esta saída deve começar a acontecer simultaneamente na escola, no ambiente familiar, nas empresas e nas instituições religiosas.
Aguardar fórmulas mágicas, líderes carismáticos, leis duras ou cadeias para os infratores é atacar as consequências sem eliminar as causas. A guerra urbana contra as drogas é um dos exemplos de como o Estado cuida dos efeitos utilizando-se de meios fomentadores de mais alienação e de violência. O desenvolvimento de um país se dá quando o cidadão o enxergar como o lugar de oportunidades para todos empreenderem e se beneficiarem de seus frutos.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Mentes lúcidas

Minha formação como psicólogo se deu na Universidade Federal da Bahia, depois de ter passado, até a conclusão do segundo grau, por quatro escolas públicas. Portanto, minha formação básica foi em escola pública e gratuita. Grande parte de meu conhecimento e de meu caráter devo aos meus professores.
Não tenho dúvidas sobre a necessidade premente de valorização do professor e da importância de seu lugar como elemento organizador e estruturador do que ocorre em uma sala de aula. Creio que parte da violência vista em escolas públicas, chegando até à tragédia de um massacre com mortes, tem como uma de suas inúmeras causas o descaso ao professor. Sua formação, sua remuneração, sua autoridade e seu valor têm sido negligenciados pela sociedade, pelos governos e pela opinião pública.
Onde estão as mentes lúcidas de nossa terra que não percebem isto? Deixam a carreira e o papel do professor em sala de aula à deriva, sem pudor, buscando medidas paliativas, mesmo que necessárias, tão somente reduzindo os efeitos.
O empoderamento do aluno deve ter limites, portanto, não pode ultrapassar a autoridade do verdadeiro gestor do ensino. A pedagogia deve merecer significativas alterações, pois o aluno de hoje não é mais uma criança desinformada e desprovida de senso crítico. A pedagogia, que, etimologicamente, é a condução de crianças, deve ser substituída por uma outra ciência que se ocupe da condução de pessoas informadas pela tecnologia. Temos que criar uma ciência que se volte para o ensino deste novo ser do Século XXI, que, mesmo sendo uma criança, e, portanto, não sendo um adulto, detém um apurado senso crítico e um volume incalculável de informações sobre tudo que a cerca, e que acredita que tudo pode com o apertar de um botão.
Como o professor vai lidar com este novo ser sem estar preparado para tal desafio? Certamente não é ele que vai portar uma arma ou vai ser um mártir, mas é ele que vai conduzir este aluno para que o respeite, como também ao que é público. O aluno, desde o berço, deve ser educado para ser um cidadão, que aprende que o espaço público não lhe pertence nem dele possui uma cota que possa reivindicar como sua, pois se trata de um bem de propriedade coletiva.
Acirrar o debate sobre educação, transferindo-o para a polarização política é um caminho que a retira do foco para jogar os holofotes sobre o partidarismo de ocasião que, jogando com os verdadeiros protagonistas, toma-lhes o lugar. Assemelham-se, os oportunistas em política, a aves de rapina que, sugando a última gota de sangue de suas vítimas, mata-as, locupletando-se com seus cadáveres.
As mentes lúcidas de uma sociedade evoluída devem ser os professores, pois são eles que conduzem pessoas para aprenderem a aprender. São eles que estimulam o melhor em seus alunos. Eles não são a causa, mas certamente são a solução para muitos problemas que ocorrem com a educação em nosso país.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Nosso futuro

É a vida um curto espaço de tempo entre o nascer e o morrer, cujo objetivo é a obtenção de sucesso? Este sucesso significa aprender, obter um bom emprego, ter dinheiro e patrimônio e depois, ou concomitantemente, pelo trabalho digno usufruir do que conquistou? Talvez não seja apenas isto.
Mesmo sabendo que a maioria das pessoas deseja este sucesso, creio que isto é muito pobre, repetitivo, quase beirando a mediocridade. Por que então vemos pessoas bem sucedidas com depressão, infelizes ou desestimuladas para viver, algumas, inclusive, dando péssimo exemplo de ética?
Deveria haver uma política pública para o envelhecimento, isto é, uma preparação para o viver visando a aposentadoria. O que deixaria o ser humano plenamente feliz e satisfeito com a vida senão o sentimento do dever cumprido, de ter ele mesmo realizado o próprio destino? Portanto, há que haver um futuro diferente e melhor para o ser humano além daquele sucesso minúsculo.
O adulto e o idoso de hoje precisam de uma educação que lhes faltaram na infância. Não se trata tão somente de educar para uma morte digna, mas de ensinar a dar continuidade ao viver com um sentido maior. Quem já envelheceu necessita ser estimulado a voltar a se interessar por aprender para que ainda alcance o sentido da vida. Deve-se aproveitar a experiência do idoso, educando-o a devolver à sociedade o que dela recebeu. Dando sua cota de serviços necessários à sua própria satisfação. Com isto ele aprenderá que a morte é um destino digno quando se deixa um legado social.
Certamente saber que reconhecidamente contribuiu e contribui diretamente para a construção de uma sociedade melhor, que alcançou o sentido de sua vida e que a morte lhe é compreensivelmente uma experiência para a qual adequadamente se preparou o deixará, a qualquer tempo, feliz e realizado.
Tal não ocorre por que não trabalha conscientemente e diretamente para um mundo melhor, não alcança o significado de sua existência nem se contenta com a morte como destino final de sua vida no corpo. Falta-lhe educação, conscientização, propriedade de seu destino sem terceirização de responsabilidades e, sobretudo, uma noção superior e transcendente para a própria vida. Por conta disto há inegavelmente um vazio existencial em cada ser humano. Ou a noção de responsabilidade coletiva, de solidariedade para a cidadania e de metas existenciais alcançáveis são exaustivamente disseminadas e internalizadas por cada ser humano ou o vazio da vida permanecerá.
É este vazio o sintoma de uma sociedade constituída de autômatos, indivíduos sem norte e sem filosofia que o prepare para o agora e que inclua sua morte. Não se trata de uma preparação para o Além, mas para as experiências da vida presente em todas as suas etapas. O vazio desaparecerá quando o indivíduo compreender que deve sua cota de serviços voluntários e gratuitos ao mundo para que o mundo seja seu melhor legado.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Mitomania

Tipos humanos quando envergam um personagem que ganha notoriedade, seja pelo talento manifesto por alguma habilidade ou por motivos outros, acabam por seguir um protocolo padrão de geração de uma caricatura de si mesmos. Tornam-se escravos de sua vaidade e do títere que assumiram para o público. Não percebem que jogam para a torcida, vivendo uma vida inautêntica.
O fenômeno da internet, com suas redes sociais, alijando, ao menos inicialmente, os meios tradicionais de comunicação, contribui sobremaneira para esta alienação pessoal. Constitui-se o palco para o títere encontrar-se com seus admiradores de ocasião. De forma inconsciente, alimentam o personagem com qualidades que não possuem, tornando-se o que gostariam de ser e que não são.
Mentem deslavadamente, transformando em realidade aquilo que se passa em seu delírio psicológico, contaminando pessoas incautas e assaltando a história a seu favor. Praticam a mentira patológica, doentia e contaminadora de mais virulência.
A mitomania costuma atingir figuras públicas que se inebriam pela vaidade compensatória, oriunda de uma inferioridade inconsciente. Criam um personagem idealizado pelo desejo de manutenção de uma imagem agradável ao coletivo, ao gosto de uma mídia sequiosa de que continuem produzindo o que seus simpatizantes preferem.
Eles, os mitomaníacos, vão além da classe política, postulando-se nos muitos palcos oferecidos pela modernidade, sobretudo quando encontram um nicho em que se locupletam. Outros, mais insanos, acreditam que estão dentro das regras do jogo e se afirmam heróis ou mártires de uma revolução imaginária, por eles encabeçada, que atrai os que buscam soluções mágicas, e pelos outros tornadas possíveis, para saírem da inércia em que a própria incompetência os situam.
São santos de uma pseudo-religião por eles inventada, posando como se fossem profissionais de um show business falido e eticamente insustentável. Mentem, enganam e distorcem sem o menor pudor, produzindo fake news como sintoma de sua mitomania. Escondem-se por detrás do personagem criado. Geralmente o personagem é legitimado por um grupo, corporação, classe ou pela própria sociedade que constrói seus mitos. Distorcem os fatos, alterando a realidade, para se colocarem como vítimas, buscando sintonia com os pobres, ou com os estropiados ou com os indefesos.
Como evitar este fenômeno midiático? Como fazer nascer uma sociedade que alija os que veem o mundo como um locus de realização de sua vaidade e de sua glorificação endeusada? Não resta dúvida que precisamos de pessoas lúcidas, educadas dentro de um sistema ético e comprometidas com valores capazes de elevar a pessoa humana à sua máxima dignidade. O início deste laborioso processo está na educação de base, portanto, em uma escola cujos professores sejam valorizados e preparados para uma nova onda de excelência do ensino.

Brumadinho

Tem alguém o direito de determinar o tipo de morte de uma pessoa, sobretudo soterrada em uma lama produzida em desrespeito à sua integridade e ao meio ambiente? Não deveria. A sociedade legalmente constituída e legitimada ainda por frágeis leis, continua outorgando aleatoriamente e de forma inconsequente, este direito em prejuízo da vida humana. Este poder absurdo deve ser prioritariamente extirpado sob pena de a lamentação de inúmeras famílias se tornar um mantra diário. Até quando crimes serão cometidos sem que se tomem adequadas providências?
Não se trata tão somente do aperfeiçoamento de controles, licenças ou de modernas construções tecnologicamente edificadas, mas da outorga sobre o próprio destino humano. É preciso que cada indivíduo assuma a propriedade de sua vida, não mais permitindo que seu destino esteja submetido à incúria de alguém.
Certamente, um dia, o ser humano entenderá que tudo que faz, portanto, toda atividade que executa, remunerada ou não, interfere na vida de alguém. O destino de uma pessoa sofre a interferência das ações de outras. Um caixa de um mercado, uma bordadeira, um professor, um agricultor, em engenheiro, um médico, um programador de computador, portanto, qualquer que seja a profissão que se exerça, atinge a vida e o destino de outros seres humanos. Por esta razão, desde cedo, ainda criança, todos deveriam ser educados para a consciência desta responsabilidade. Não devemos entregá-la tão somente aos que se encontram no comando de atividades de risco ou ao Estado.
Se minha vida também está nas mãos de outra pessoa, cuja atividade não se encontra sob a mira de minha fiscalização, então o que faço tem a mesma relevância, cabendo-me executá-lo com o máximo de cuidado e com o dever de sinalizar quando me parecer vulnerável ante novas variáveis intervenientes.
Mesmo que protocolos sejam seguidos, ainda que o cumprimento de ordens superiores seja obrigatório, todos devem estar atentos ao aprimoramento na execução de qualquer atividade dirigida a outro ser humano. O cuidado com o que fazemos deve vir de berço, ampliado pela escola e consolidado no convívio social. Família, escola e grupo social são os ambientes em que as ideias circulam e são assimiladas. Seus protagonistas, representados pelos pais, pelos professores e pela opinião pública que circula nos meios de comunicação, carecem de atenção e de liberdade para que suas influências sejam benéficas no intuito de mudar ou melhorar a vida humana em sociedade.
A outorga do poder de determinar como morreremos está na medida de se viver uma vida inautêntica e sem sentido. A vida humana não pertence a empresas, a agências reguladoras nem ao Estado, mas ao próprio indivíduo que deve se tornar seu legítimo proprietário, assumindo seu lugar de comando sobre ela, sem prejuízo a aplicação de responsabilidades legais aos culpados.