Quando se olha a vida sob o ângulo pessimista, tudo deve e precisa mudar, pois nada resta que possa melhorar ou trazer esperança. Por outro lado, sob o manto do otimismo, corre-se o risco de aumentar o perigo de não se proteger dos tempos difíceis. Porém, a vida não tem apenas dois lados. Ela é por demais complexa e curiosamente disponível a mudanças, que surpreende os pretensos legisladores religiosos de plantão. Pensar que as tragédias, misérias e doenças definem a realidade, assemelha-se a enxergá-la como um paraíso cheio de benções e povoado de anjos alados. A realidade é um ente vivo na intimidade psíquica de cada ser humano, por ele alimentado e com quem contracena para seu próprio discernimento.
Nenhum ano começa ou termina, visto que um dia, uma hora ou um segundo não modificam a realidade interior de ninguém sem que a experiência do viver lhe traga algum acréscimo de habilidade permanente. Nem mesmo sua disposição em mudar, por mais intensa e importante que seja, é suficiente para lhe acrescentar um milímetro de experiência agregadora às suas competências para viver. Portanto, a passagem de ano é simbólica, com efeito regenerador para muitos, porém, para a grande maioria, logo depois, mais um grupo de experiências estará sendo colocado no esquecimento compulsório.
A exemplo disto, estamos assistindo as entranhas do poder político sendo colocadas para fora, expostas como carnes em um açougue. É o Estado brasileiro mostrando suas feridas mais profundas, numa demonstração de que, um dia, tudo vem às claras para que a verdade surja na consciência humana. Feridas abertas só cicatrizam quando os fatores agressivos são controlados para que cessam sua ação danosa. No caso em pauta, esses fatores ainda não cessaram, pois se encontram em todos os níveis da sociedade, qual erva daninha que se instala quando o jardim é mau cuidado. Pensar que o ano acabou é tentar passar uma borracha no que ainda não foi resolvido, pois os principais atores estão em cena e, em breve tempo, aqueles que foram presos voltarão ao cenário, mesmo que nos bastidores do poder. O problema também está na fragilidade dos processos de obtenção de recursos, na concentração de poder em mãos de poucos, no pouco valor atribuído às instituições de controle e fiscalização dos poderes bem como na qualidade do eleitor brasileiro.
Não o ano não acabou, nem deve acabar tão cedo. Que ele se perpetue na dimensão do que tem sido o clamor popular de justiça, honestidade e cidadania. Todos esperam que o próximo ano seja melhor, como quem anseia por boas notícias em tempos de crise. Que venham boas notícias, mas é preciso que se esgotem as más e se estanquem as causas geradoras, pois ainda estamos na fase de descobrir o que já foi feito, sem cuidar simultaneamente da prevenção.