sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Temporada de ataques

O estágio em que se encontra a política no Brasil e a qualidade de nossos políticos está atestada nos ataques que ocorrem nos debates de candidatos a cargos públicos. Atacam-se mutuamente, pois esta é a norma comum. Quem tem mais intenções de votos nas pesquisas eleitorais recebe os maiores ataques. São lobos atacando lobos. Vivem da desgraça alheia, dos deslizes dos concorrentes, de dossiês montados para denegrir, apoiando-se em dar visibilidade ao lado negativo e sombrio de seu concorrente.

Ha os candidatos da internet, os das emissoras de rádio e televisão, os da mídia escrita, os das pesquisas, os dos partidos políticos, os da religião, dos que se elegeram utilizando propina e as velhas raposas da política. São raros os que trazem novas propostas, nova linguagem ou que se mostram por inteiro. Os que se encontram em cargos públicos e candidatos ao continuísmo fazem larga propaganda, paga com dinheiro do contribuinte, do que é obrigação, alardeando obras e feitos que realçam suas supostas competências. São lobos em pele de cordeiro.

Nos bastidores, fazem conchavos, alianças e negociações espúrias para alcançarem a ambição do poder. O resultado é uma classe política de qualidade duvidosa, de reputação manchada e, em grande número, de réus apenados por uma generosa lei que não os bane a bem do serviço público. Porém, não podemos esquecer que são representantes do povo, eleitos dentro do jogo democrático e legitimados pelos órgãos competentes. Eles não estão ali por um golpe. Querendo ou não, são espelhos de uma sociedade ainda doente.

Com propostas mirabolantes, com fértil imaginação alimentada pela influência de um povo esperançoso e crente em promessas mágicas, manipulam o imaginário coletivo que anseia por um salvador que lhe retire de condições de que não assume a autoria. Seguem assessores midiáticos. Constroem uma persona. Psicologicamente não são eles mesmos, pois necessitam agradar, surpreender e atender aos grupos formadores de opinião. Difícil aceitar esta situação que mais parece um programa de humor sombrio do que de postulantes a cargos públicos.

Como mudar esta situação viciada, repetitiva e inadequada para se construir um país em que a ética não seja colocada em sua máxima importância para o progresso da sociedade? A resposta está na Educação. Não são os políticos que resolverão. É a própria sociedade que necessita se educar. Mesmo considerando a importância do voto, da educação nas escolas e da democracia, torna-se fundamental que a classe influente, constituída de pessoas que se consideram inteligentes e empreendedoras assuma a responsabilidade pelo que aí está. Ou mudam suas filosofias de vida, saindo do egoísmo barato de ter mais para se valorizar e indo ao encontro de uma existência útil para si e para todos, ou então continuaremos lamentando e atirando pedra uns nos outros.

Renúncia do Papa

O mundo se surpreendeu com o anúncio de viva voz do ministério papal do Cardeal Ratzinger. Pode parecer estranho, pela surpresa, mas tem seu significado na história das religiões. Algo está mudando na psiquê religiosa coletiva que pode ser percebido pelo ato de Bento XVI. A fé, agora, não mais pode dissociar o humano do espiritual. A conhecida e antiga crise na cúpula da Igreja, não precisa mais ser desmentida, pois se trata do símbolo de uma mudança de paradigma psíquico. A mente humana não comporta mais a sacralização inconsciente do espiritual. A ascensão do pentecostalismo foi um aviso, o surgimento do iluminismo foi um grande alerta e, na atualidade, o alto índice de escolaridade e de uso de recursos tecnológicos são indícios de que o ego amadureceu na direção contrária à fé cega. 

Muito mais do que um problema da Igreja Católica Romana, a renúncia do Papa é um aviso ao mundo sobre os problemas provocados pela forma como lidamos com o sagrado. A contraposição na qual se elegeram certos comportamentos humanos como profanos e outros como sagrados, é responsável por grande parte dos problemas ligados à fé. A eleição, com seus critérios tomados inconscientemente, se origina da antiga antinomia entre o instinto e a espiritualidade. Tudo que pertencia ao instinto, portanto ao que é do corpo humano, foi considerado profano, pecaminoso e contrário ao espiritual. 

Porém, o que era considerado sagrado seguia a nominação dada por indivíduos que, por razões psicológicas que denunciavam possíveis instabilidades internas, dificultavam sua verdadeira compreensão. A corajosa e difícil decisão de renunciar simboliza o início da mudança de paradigma da arcaica irracionalidade do espiritual, para a utilização da razão aliada a fé. No paradigma antigo, há o predomínio da negação da vida material com correspondente supervalorização da vida espiritual. Em adição a isso, vê-se uma inferiorização do egohumano em relação a uma certa essência espiritual mais importante e verdadeira. O descuido à vida humana, empobrece a esperada vida espiritual. 

Por fim, com a renúncia, nada vai mudar na Cúria Romana, pois a real transformação está ocorrendo na psiquê humana, que, de forma inconsciente, passa a considerar o humano como o meio par que s alcance o espiritual, isto é, não adianta se espiritualizar sem antes se humanizar.

Convulsão política

Do ponto de vista psicológico, a conhecida síndrome de pânico é uma hipersensibilidade que atinge a consciência do eu sem seu controle. Trata-se de algo que, oriundo do inconsciente, alcança a condição de realidade com reflexos no corpo físico. Os sintomas vão desde o medo sem causa aparente até o suor com desconforto torácico. Às vezes, o mal-estar provocado impede importantes atividades da vida funcional da pessoa, podendo evoluir para um surto paralisante. Nossa política parece que vive semelhante situação. O medo, a incerteza quanto ao futuro, o desconforto ético e a convulsão no mundo político se assemelham aos sintomas de uma crise ou de um episódio de pânico. Muito pouco provável que se saiba o futuro, pois a saúde do doente (o país) anda muito frágil para qualquer prognóstico.

Na síndrome de pânico qualquer remédio químico é paliativo, pois o problema não é físico, mas sim psicológico. No caso do país, a Lava Jato é como um diagnóstico com algumas medidas judicias que ressaltam o potencial da doença, porém não revela o fato gerador, pois o vírus continua solto e ativo. Ele não atinge só a classe política e dos empreiteiros, pois se alastra pelos mais diversos campos da sociedade, sobretudo onde o dinheiro, o poder e a falta de ética caminham juntos. Diz-se que o sistema é corrupto, porém não se pode esquecer que o ser humano faz o meio em que vive e é por ele influenciado. A sociedade é posterior ao ser humano, pois ela se forma no conjunto de suas relações, razão pela qual o problema não é o sistema, mas sim quem individualmente contribui para sua manutenção.

O remédio em voga, a aplicação de penas segundo a justiça atual, assemelha-se aos que são utilizados no tratamento dos transtornos psíquicos, que, em sua maioria, quando têm efeito, combatem os sintomas, sem atingir a raiz psicológica do problema. A psicologia da intolerância a qualquer tipo de crime deveria ser implantada nas escolas, sobretudo nas que se dedicam a educação infantil, a fim de se formar uma nova geração de indivíduos que, à semelhança da jovem equipe de promotores da Lava Jato, investiga detalhadamente as ramificações e raízes dos delitos e seus responsáveis.
É de se perguntar quem governará o país, já que não resta quem, da cena política atual, esteja isento de investigação.

A cabeça que venha a reinar o país segue a ideologia dominante ou a maioria popular, porém um povo sem ideologia não conseguirá, em tão breve tempo, formar um estadista que posso conduzir eticamente seu destino. Isto significa que estamos à deriva por real falta de educação política, sobretudo a que contempla ética e respeito ao bem público. Somos um país gigantesco, mas uma pequena nação que caminha sem ideologia sólida, que dê ao mundo exemplo de sua ética. Espero que a Lava Jato seja apenas o começo de uma varredura em todos os setores da sociedade, principalmente na consciência cívica de cada cidadão.

A Ilha

Estive estes dias em Cuba. Confesso que criei grande expectativa para conhecer o povo cubano. Fundado na ideia de que encontraria pessoas politizadas, vivendo dignamente e com alta qualidade de vida, detive-me quando percebi que a realidade era diferente. Seria pela falta de seu maior líder e mentor? Ao me deparar com a realidade, tive um misto de contraditórios sentimentos: vergonha, indignação, compaixão e nostalgia.

Inicialmente senti vergonha de mim mesmo, por me achar privilegiado. Achei-me superior por viver em um país capitalista, com grande oferta de serviços sociais, com acesso ao que o mundo moderno oferece e, principalmente, podendo adquirir livremente o que um bom salário e crédito acessível permitem. Mesmo assim, vi que é possível viver com o mínimo e com dignidade. Vi casas sem muros, janelas sem grades, ausência de policiamento ostensivo, e uma população aparentemente vivendo em ordem.

Depois do impacto inicial, fiquei indignado. Indignação, pelo que via nas ruas sem drenagem pluvial; vi uma sociedade com serviços públicos precários, prédios e monumentos mal conservados, habitações sujas, esgoto a céu aberto, carros antiquíssimos, ônibus velhos, pontos turísticos despreparados, bem como degradação de aéreas públicas que poderiam ser bem tratadas. No fundo, eu queria uma Havana bonita, com ruas arborizadas, parques bem conservados e pessoas felizes nas ruas. Mas, assim não ocorreu.

Confesso que tive uma compaixão não piedosa, mas desejosa de que todos os habitantes tivessem alcançado o que uma moderna sociedade permite obter, o que a tecnologia proporciona e, principalmente, ter a liberdade de expressão.

Depois destes sentimentos, veio-me uma nostalgia. Ao ver a arquitetura urbana, tive saudade de uma época. Senti-me nos anos sessenta, deixando-me invadir por um tempo em que havia um glamour no ar, um romantismo gostoso e uma musicalidade aflorada. Vi-me de chapéu, calça de linho e acompanhando um violão tocando uma música convidativa ao dançar. Tudo isto estava em minha imaginação, pois a realidade era outra. Não vi felicidade na face das pessoas, pois faltava um sentido maior que talvez tenha sido causado pelo isolamento provocado pelos embargos comerciais e pelas restrições políticas impostas. Mesmo assim, há de se assinalar a forma educada em tratar o estrangeiro.

Acredito que o socialismo tem muitos ganhos, superando o capitalismo, principalmente no quesito solidariedade e no retorno da valorização do humano, em lugar do dinheiro pelo dinheiro. Mas considero a livre competição como fundamental para uma melhor qualidade em tudo que se faz e se produz. Cuba, portanto, me pareceu uma ilha ansiosa por se ligar ao continente. Respeito os que defendem seu sistema político, porém, infelizmente, os resultados me pareceram cruéis.

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Operação Lava Jato

Tudo na vida tem um ritmo que obedece a uma certa regulação, estabelecendo uma cadência. Alguns ritmos são acelerados, outros mais lentos, mas todos seguem um fluxo que se movimenta no tempo. Sintomático batizar-se de Lava Jato a operação que investigava doleiros e que chegou ao bilionário esquema de corrupção na Petrobras. Literalmente, investigava-se algo em cima de uma bomba de combustível que alimentava o fogo da corrupção. Felizmente o trabalho dos investigadores não seguiu a pressa da lavagem de carros, optando por ritmo menos acelerado, mas firme e direcionado pelos fatos, sem açodamento. O objetivo seria lavar a corrupção, passar a limpo o que manchava a sociedade e que utilizava o já escuro dinheiro do petróleo que jazia no subsolo brasileiro.

Do ponto de vista psicológico, trata-se de uma sombra que está instalada nos subterrâneos da personalidade humana que a leva à tentativa de superação da inferioridade ali instalada. Para vencê-la, com o desejo de superação consciente, no exercício do poder de obter ou conceder vantagens a qualquer custo, com a manipulação da máquina estatal, muitos resvalaram para a corrupção. Dizer que ela é sistêmica, ou não aceitar que esteja presente nas ações de todos os indivíduos, é não entender que se trata de algo opcional, que pode ser perfeitamente escolhido pelo amadurecimento da personalidade.

Educar os detentores do poder para que, quando em sua posse, não se permitam ser dirigidos pela tendência à superação do complexo de inferioridade, exigirá a criação de mecanismos de controle e do acompanhamento dos serviços que dispendem muitos recursos. Estes mecanismos incluem a criação de comitês de decisão, que possam aferir o grau de satisfação dos complexos psicológicos que porventura estejam sutilmente exigindo compensações no psiquismo daqueles que têm em suas mãos o poder de decidir a concessão de vultosos recursos. Não haverá corrupção quando a personalidade não mais necessitar superar sua própria inferioridade.

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Psicologia do Dinheiro


Diz o aforismo popular que o dinheiro é o vil metal. Metal, por que antigamente era fabricado em moedas de metais considerados incorruptíveis (ouro, prata etc.). Vil, ordinário ou instrumento de corrupção, porque aguçava a ambição humana, atingindo a ética das pessoas. Na realidade, o dinheiro atende a necessidades regulatórias dos processos que envolvem relações de trabalho, ao estabelecimento do valor dos bens e dos serviços, bem como é o elemento para a unidade contábil dos governos, cuja responsabilidade em emitir moeda é exclusiva. Hoje o dinheiro tem muitas faces, podendo ser de metal, de papel, de plástico (cartões de crédito), virtual etc.
Por outro lado, o dinheiro não é nem vil nem metal, pois é seu usuário, pelo modo como o obtém, que define seu real valor ético. Mas é tão somente esta a questão? Ou podemos analisar sob outro paradigma? Psicologicamente, o ser humano possui natural desejo de ganhar, de obter bens para que realize seu destino e encontre o significado de sua vida. Esta tendência arquetípica, quando atendida sem o devido amadurecimento da consciência e sem o respeito ao direito do outro, ou da coisa pública, leva o ser humano aos conhecidos desvios éticos. Portanto, nem o dinheiro é vil, nem é de metal, mas a consciência que o deseja como meio para alcançar seus fins, por mais escusos ou nobres que sejam, é que requer a aquisição de habilidades que contemplem a noção de alteridade, de direitos humanos e de cidadania. Habilidades que permitam ao ser humano a administração de seu desejo de obter poder e de ter superioridade sobre seu semelhante.
A condenação aos réus corruptos, muito embora justa e bem aplicada, não resolve a questão da tendência a ganhar a qualquer custo, cujo direcionamento requer um contínuo e maciço investimento em educação, sobretudo da população infantil. A “endemia” da malversação do uso do dinheiro público atinge o cidadão comum, cuja passividade não pode continuar sendo combustível ao seu alastramento.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Memória que não se perde

A internet, com suas facilidades, está interferindo na forma como o ser humano utiliza sua capacidade de armazenar e memorizar informações. A evolução humana tem acontecido com a liberação dos recursos da Consciência para sua utilização na capacidade de resolução de conflitos e de entendimento da realidade, sem que se precisa guardar muitas informações. A disponibilidade de acesso imediato ao conhecimento, sem muito esforço de memória, deixou o ser humano mais livre para utilizar sua inteligência para pensar sobre si mesmo, para a compreensão da vida e para transcender sua dimensão física.
Com a tecnologia disponível, já não há mais risco de esquecimento dos fatos, pois estamos aprendendo a armazená-los em aparelhos eletrônicos disponíveis à mão, facilitando seu uso, sem gasto de tempo nem esforço de memorização. Os meios disponíveis para o armazenamento se multiplicam na mesma velocidade com que se obtém as informações. Estamos na era das nuvens em que se guardam dados para uso instantâneo. A mente se expandiu para além do cérebro, atingindo o imponderável.
Para que o esforço de memorizar se você pode buscar as informações, a qualquer tempo, numa nuvem? Será que, com isto, estamos perdendo a memória, ficando mais esquecidos e com dificuldade em lembrar de nomes, datas, afazeres e de alguns compromissos? Talvez sim, mas é fato que estamos dominando mais os recursos da própria mente para que a vida se torne mais fácil e mais duradoura. Estamos transferindo nossa memória para aparelhos de fácil uso, reativando-a quando necessário, evitando aumentar o tamanho da mente, otimizando seus potenciais.
O Inconsciente, ou a ignorância humana, está cada vez mais acessível, agora pela Internet, pois, antes recorríamos aos dicionários e enciclopédias. Estamos mais conscientes de que o domínio da tecnologia é fundamental para que o ser humano se liberte de seus fantasmas e possa assumir o papel de protagonista de seu destino no mundo.
Publicado no Jornal ATarde de 01.12.2015